12 janeiro 2005

O Grito



Nota: 7

O cinema asiático tem demonstrado sua competência para fazer filmes de terror com criatividade. Ringu(1998), de Hideo Nakata, é um dos exemplos mais categóricos disso. A história de Sadako, a menina que volta para matar as pessoas que viram as imagens de sua fita, foi tão aterradora que ganhou uma refilmagem nos Estados Unidos em 2002. O problema é que O Chamado (02) não se comparava à sua versão nipônica, já que, além de copiarem mal, erraram em grande parte da história. Resultado: não se falou mais de suas sequências.

O Grito lembra - e muito - o seu compatriota. Ambas trabalham com a idéia de "Ju-on". O termo oriental corresponde à uma maldição gerada pelo rancor que alguém sente quando morre em estado de fúria. Essa maldição se concentra nos lugares em que a pessoa viveu e faz sofrer todos aqueles que, mesmo sem querer, se depararam com ela.

Potencial não falta para criar uma atmosfera rica em suspense, sem apelar para os sustos forçados que desencorajam espectadores mais exigentes. É original, bem feito, e mantém a todos em estado de completa tensão, capacidade que Hollywood perdeu nas últimas décadas.

Em O Grito, tudo começa com o aparente suicídio de Peter (Bill Pullman), que cai da varanda de seu apartamento numa cidade japonesa. Logo depois, vêem-se breves cenas que parecem ser de um múltiplo assassinato. Anos mais tarde, uma jovem assistente social vai à casa onde aparentemente ocorreram os crimes para ajudar a uma idosa enferma, mas acaba se deparando com uma sinistra presença que colocará em perigo sua vida e a de todos que a rodeiam.

De fato, O Grito é um filme que não está muito interessado em dar muitas explicação, mas sim, aterrorizar. A narrativa não linear segue paralelamente a vários personagens, examinando os contatos que eles têm com a maldição e suas conseqüências. Só se entende realmente o que aconteceu na casa e a complexa rede de conexões entre as vítimas no fim, quando as peças que faltam se encaixam.

O truque de fragmentar a narrativa se emprega em certas ocasiões para dar maior peso emocional a histórias simples (tal como em 21 Gramas). E, no caso de O Grito, funciona muito bem, já que o pausado desenvolvimento contribui para o clima de mistério da trama e potencializar o terror da trama.

Mesmo assim, seria um erro dizer que se encontram no filme muitas novidades. Os clichês do gênero estão todos ali, como a criança maligna, a espectral mulher com cabelos longos e pretos, as aparições fantasmagóricas, ou seja, muito do que já foi visto em Ringu. A preferência comercial por um elenco americano não ajuda, especialmente porque a escolha recai sobre Sarah Michelle Gellar (a Buffy do seriado televisivo), já que a moça não tem muito carisma para levar o filme.

Na hora de dirigir o remake ocidental, O Grito (The Grudge, 2004), Shimizu tem à mão uma série de vantagens técnicas. Efeitos visuais aperfeiçoados tornam sustos mais eficientes, como aconteceu com O Chamado. Permanecem iguais a narrativa não-linear, o largo alcance do espírito rancoroso. Muitos planos são inclusive idênticos aos originais. Mas o diretor se depara com um paradoxo: precisa dar espaço e valorizar a estrela Sarah Michelle Gellar numa história que, como vimos, tem força por não consagrar personagem algum.

A eterna Buffy vive Karen, assistente social escalada para cuidar de uma senhora idosa na tal casa misteriosa, onde barulhos e cantos escuros escondem um passado escabroso. Sabemos pouco de Karen. Ela gosta muito do seu namorado e ruma ao serviço com a disposição de quem acabou de chegar ao Japão e torce para que tudo dê certo. O problema é que o desenho do seu perfil pára por aí, já que outros tantos personagens ocuparão a tela com papel semelhante. Até o fim do longa caberá a Sarah gritar, correr, tremer, e só.

Convocado a dar maior relevância a essa heróina de última hora, a essa vítima de luxo, Shimizu não consegue “instalar a situação dentro dela” – não consegue fugir da armadilha do filme-mosaico que ele mesmo criou. E assistir a uma Sarah desnorteada, mal aproveitada e mal dirigida, não compromete a experiência, mas deteriora boa parte do potencial de O Grito.