O Milagre de Berna
Nota: 6,5
Quem já visitou a Alemanha após a Segunda Guerra sabe que o nazismo ainda assombra o país. Há nos alemães um certo sentimento de culpa pelo que aconteceu durante o chamado Terceiro Reich. Se é assim agora, imagine como era a situação há 50 anos, quando as barbáries cometidas na guerra ainda estavam frescas na memória de todos, principalmente na Europa. Por tudo isso e também pelas circunstâncias em que ocorreu, a vitória na Copa do Mundo de 1954, na Suíça, é lembrada até hoje pelos germânicos.
Aquela Copa marcava a primeira participação da Alemanha pós Guerra, a contragosto de muitas pessoas. Era também a primeira vez que a nação atuava divida, como Alemanha Ocidental. Os favoritos ao título eram os húngaros, liderados por Puskas, Hidegkuti e Kocsis, que ganharam o título olímpico em 1952 e não perdiam há 28 jogos. Já os alemães chegavam aos trancos e barrancos. Na primeira fase perderam de 8 a 3 da própria Hungria, num jogo que até hoje é bastante contestado, pois os germânicos não usaram todos os titulares e com a derrota escaparam de pegar o Brasil e o Uruguai, respectivamente vice-campeões e campeões em 1950, nas fases seguintes.
Quando voltaram a se encontrar, na final, em Berna, a dúvida era apenas de quanto a seleção húngara ganharia. E com gols de Puskas e Czibor aos 6 e 8 minutos de jogo, muita gente já jogava a toalha. Porém, descontando aos 10 e 18 ainda na etapa inicial, a Alemanha conseguiu empatar a partida. Com a chuva, a rápida seleção húngara perdia velocidade e os alemães (calçando chuteiras especiais desenvolvidas por Adi Dasslerr) conseguiam nivelar o jogo. A história foi escrita com o petardo de Helmut Rahn, o Boss, que a apenas 6 minutos do fim do segundo tempo acertou o chute que deu à Alemanha o seu primeiro título mundial. A frase que marcou a conquista é "nós somos alguém novamente", mostrando o quanto a conquista foi importante para a auto-estima dos alemães.
Este jogo aconteceu em 4 de julho de 1954 e o cineasta Sönke Wortmann usou a partida como pano de fundo para mostrar como viviam os alemães no pós-guerra. A trama é centrada nos Lubanski, família liderada pela mãe, que ficou cuidando dos três filhos enquanto seu marido (Peter Lohmeyer) era prisioneiro de guerra na União Soviética. O caçula, Matthias (Louis Klamroth) é fanático por futebol e escolheu o jogador Helmut Rahn como uma figura paterna. O menino acorda o esportista e carrega sua bolsa até os treinos. Em troca, ouve do astro do time local e da seleção alemã que ele lhe dá sorte. Assim, preocupado com o destino dos alemães na Copa, Matthias e seu pai, que finalmente voltou para casa, vão até Berna para acompanhar a final.
Mas não pense que as coisas foram assim fáceis. A chegada do pai foi bastante sentida por todos, inclusive por ele próprio, que ao descer do trem mal reconheceu sua esposa. Além de não se encaixar mais naquela família, Richard (que na vida real também é pai de Louis Klamroth) não consegue voltar a trabalhar nas minas de carvão, pois fica se lembrando do que sofreu na guerra e enquanto estava preso. Todo este dramalhão, por mais doloroso e real que seja, não consegue jogar a favor do filme. O pequeno Louis, portando um suspensório parecido com o do He-Man, definitivamente não sabe atuar, nem jogar bola.
Há no longa duas cenas bastante emblemáticas. A primeira é a perda da inocência do caçula, após o jantar de aniversário de sua mãe. Mas aquela que mais marca é a caminhada solitária de Richard pelo campinho onde seu filho joga futebol. Olhando para baixo, pensativo, ele encontra uma bola e começa a fazer embaixadinhas e termina a cena dando uma bicicleta. A seqüência, de execução bastante discutível, é completamente gratuita e acaba sendo um gol contra a trama. E não é o único. O personagem de um jornalista iniciante que acaba convocado às pressas para ir à Copa é igualmente desnecessário. Seu único propósito é contrastar a pobreza dos Lubanskis com a ascenção de outras famílias. A maior prova da sua inutilidade é que quando quando se necessita de um repórter realmente sério, ele é substituído por um outro jornalista qualquer.
Wortmann, que chegou a jogar na segunda divisão da Alemanha, até que tentou. Chamou diversos jogadores profissionais e técnicos que trabalham nas trasmissões de futebol da TV alemã. Como recurso gráfico, usou muitas tomadas em close, o que diminui a percepção geral que temos de uma partida, e se tivesse como parar por aí, tudo bem. É justamente ao abrir o plano que percebemos o orçamento modesto de 8 milhões de euros deve ter atrapalhado nas contratações de outros reforços. Como o estádio havia sido demolido, Wortmann optou por reproduzi-lo digitalmente. O resultado é graficamente satisfatório (ficou bem parecido com os estádios de Quadribol dos filme do Harry Potter), mas peca pela falta de grandiosidade. Enquanto a edificação original foi preenchida por 60 mil pessoas naquela final, o que vemos na tela é uma pálida reprodução. Mas o pior mesmo é a deformação das dimensões do campo no filme, que aparece pelo menos um terço menor que um normal. Basta notar que logo depois de passar da linha central, os jogadores já estão na grande área.
Se o futebol é uma caixinha de surpresas, o cinema é justamente o oposto. Na sétima arte, tudo deve ser ensaiado e coreografado à exaustão e reproduzido com exatidão. Por isso que fica tão difícil fazer um bom filme ficcional sobre este esporte que é apaixonante justamente porque é imprevisível. Já a paixão pelo cinema é diferente. Ela é capaz de fazer você torcer por algo mesmo já sabendo do resultado.
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