21 janeiro 2005

Meu Tio Matou um Cara



Nota: 4

O diretor Jorge Furtado continua firme no seu projeto de fazer cinema jovem, indo na contramão de seus curtas políticos da década de 80 e 90. Todos achavam que com Furtado no cinema sairíamos daquela mesmice nacional, e não foi o que ocorreu. O diretor enveredou em filmes para adolescentes, que destoam sim dos enlatados norte-americanos e dos infantilóides brasileiros, mas está muito aquém duma crítica a esse período. Foi assim em seu longa de estréia Era uma Vez Dois Verões, continuou na mesma linha em O Homem que Copiava - visto por quase 700.000 espectadores. Neste terceiro longa, Meu Tio Matou um Cara, Furtado associa-se a Guel Arraes no roteiro e a receita mantém o pique. Furtado mostra jovens brincalhões, espertos, felizes, uma certa classe média urbana. Não vejo crítica alguma social, apenas um constatação de um parte minoritária da sociedade. O diretor é queridinho da crítica nacional, mas se não faz um cinema alienante, não faz um cinema tão crítico como dizem por aí. Eu diria que é um filme bonitinho, com atuações pouco convincentes.

Desde o título, a história brinca com a tentativa aflita dos adultos para manter as aparências diante de uma situação-limite, compensada pela ironia e a clareza com que os adolescentes percebem e analisam tudo, não raro melhor do que os pais. Parte-se de uma família de classe média balançada por um crime. O tio que matou o cara é Éder (Lázaro Ramos), aquele típico indivíduo que nunca deu muito certo em atividade nenhuma e toda hora se apaixona pela pessoa errada. Desta vez, foi Soraia (Débora Secco), escultural mulher casada, de quem Éder mata o marido num confronto muito mal-contado.

Para o irmão mais velho de Éder, Laerte (Ailton Graça) e sua mulher, Cléa (Dira Paes), é o fim do mundo. Para o filho do casal, Duca (Darlan Cunha), abre-se oportunidades para muitas descobertas. Parte de uma geração alimentada desde o berço por gibis, seriados de tevê e internet, Duca é capaz de conselhos preciosos sobre como Éder e seus pais devem lidar com o problema.

A notícia inesperada coloca Duca em evidência em sua escola - e não de maneira negativa. Nestes tempos em que a notoriedade é um valor em si, ter um tio nos noticiários é motivo de prestígio, independentemente do motivo. Sem contar que as pontas soltas no depoimento do tio estimulam Duca e seus melhores amigos, Isa (Sophia Reis) e Kid (Renan Gioelli), a brincar de detetives.

O trio de amigos vive também a ambigüidade de um triângulo amoroso não-declarado, às voltas com o despertar da sexualidade. Tal como acontecia em Era uma Vez Dois Verões, Furtado revela os sentimentos divididos dessa idade com uma sinceridade bonita, mas fugaz. Os atores tentam, mas não convencem. E isso soa forçado, em muitos momentos.

A questão racial, mais uma vez ventilada, como em O Homem que Copiava, é abordada de forma impecável, já que normaliza a presença de negros na classe média e a convivência entre todas as cores do arco-íris nacional sem chamar a atenção para isso nem fazer discurso.