Machuca
Nota: 9,5
Em 1970, o Brasil já vivia a ditadura militar, que, chegou até mesmo a levar o atacante Dadá Maravilha para ser tricampeão do mundo no México. Enquanto isso, o Chile vivia uma época de grandes mudanças políticas e sociais, a começar pela escolha de um presidente mais preocupado com o povo. Salvador Allende era visto como um perigo não apenas pela burguesia dominante do país como também pelo principal inimigo do bloco vermelho, os Estados Unidos, que já viam em Cuba um problema grande suficiente para sua soberania capitalista nas Américas.
Nos três anos que se seguiram, Allende tentava diminuir os abismos sociais que separavam ricos de pobres. Na capital Santiago, um padre norte-americano que comandava uma escola de classe média-alta seguia pelo mesmo caminho, dando espaço para que jovens vindos da periferia tivessem o mesmo acesso à educação que os ricos. Um destes filhinhos de papai era o economista e hoje cineasta Andrés Wood, diretor de Machuca (2004), o maior sucesso do cinema chileno e escolhido pelo país para tentar uma vaga no próximo Oscar.
De forma semi-autobiográfica, Wood cria o Colégio Saint Patrick, dirigido por um Padre McEnroe (Ernesto Malbran), o narrador Gonzalo Infante (Matias Quer), Pedro Machuca (Ariel Mateluna), e ainda recria o Chile às vésperas do golpe de 11 de setembro de 1973, que derrubou o esquerdista Allende e instaurou o regime militar de quase duas décadas em que o general Augusto Pinochet comandou o país de forma ditatorial.
A chegada de Machuca e outros meninos ao colégio, vista por alguns jovens burgueses e seus pais como um absurdo comunista, mudou a vida de Gonzalo. A improvável amizade entre os dois é usada para levar o espectador a descobertas. Junto com Gonzalo, descobrimos o mundo das favelas em que vivia Machuca, um local com barracos de madeira, esgoto a céu aberto e miséria. Ao lado de Machuca, somos apresentados à exuberância dos bairros ricos, dos aparelhos de TV, dos tênis Adidas importados, dos gibis do Zorro. Junto com os dois meninos relembramos o primeiro porre, o primeiro beijo, as eternas amizades relâmpados da juventude.
Mas não devemos imaginar que a vida de um menino de 11 anos seja fácil. Gonzalo sofre com as saídas de sua mãe, que leva o garoto para os furtivos encontros vespertinos com um ricaço que vive na ponte-aérea Santiago/Buenos Aires e traz para eles produtos que estão em falta no Chile socialista de Allende. Machuca, por sua vez, além da discriminação que sofre na escola, tem de ajudar um tio/vizinho que passa as tardes vendendo cigarros e banderinhas nas passeatas, que abundavam o país naquele momento. Preocupado mais com o dinheiro do fim do dia do que com suas convicções políticas, eles gritavam bordões direitistas contra o governo Allende e também bradavam contra o imperialismo nas passeatas esquerdistas.
A escolha de contar a história pelos olhos de meninos inicialmente "virgens" politica e socialmente falando dá a Wood a liberdade de mostrar estes dois mundos sem preconceitos ou julgamentos. Como se percebe ao longo da fita, eles pouco podem fazer para mudar o país naquele momento, seus papéis são de espectadores. Até o momento em que se tornam vítimas ou, pior, estatística. Foram mortos durante a ditadura no Chile mais de 3 mil pessoas e outros 28 mil foram torturados entre chilenos e até mesmo estrangeiros.
A queda do governo Allende, como se pode ver, teve conseqüências no mínimo tão grandes quanto as quedas das duas torres gêmeas de Nova York, mas deste 11 de setembro os norte-americanos parecem não se recordar muito, afinal, as cicatrizes estão em outros corpos.
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