21 janeiro 2005

Alexandre



Nota: 5

Alexandre III da Macedônia, dito “Magno” ou “o Grande”, é uma das figuras mais impressionantes da História.

Em sua curta vida (faleceu na tenra idade de 33 anos), ele venceu inúmeras batalhas, criando um império que se extendia da Grécia à Índia, e, no processo, espalhou a cultura grega pelo mundo, tornando-se então um dos principais arquitetos da civilização ocidental. Sua vida é repleta de feitos incríveis (mesmo a mais burocrática biografia de Alexandre Magno é mais empolgante e movimentada que muitos romances de aventura) e foi objeto de estudo de muitos dos maiores escritores da antiguidade (e diversos escritores modernos), que analisaram a fundo seu polêmico comportamento, que podia variar entre o sábio e o brutal, entre a mais pura racionalidade e a emoção incontida, mas que mantinha sempre uma constante: Sua coragem em batalha e a sede de descoberta e conquista.

Com tudo isso, Alexandre deveria ser uma escolha óbvia para protagonizar épicos do cinema, certo? Errado! Fora uma falha e esquecida superprodução dos anos 50, a atribulada vida do grande conquistador nunca rendeu um filme! Levando em conta quantos longas já foram feitas em torno de outros grandes nomes da antiguidade (como Júlio César ou Átila, o Huno), isso é absolutamente incompreensível! Agora o polêmico diretor Oliver Stone decidiu aceitar o desafio de levar a vida do conquistador helênico às telas, mas será que a produção está à altura da grandeza do protagonista?

A resposta é não. Mas por quê? Bem, para justificar isso é preciso explicar como o filme conta a história do soberano.

A produção começa com um envelhecido Ptolomeu (Anthony Hopkins, burocrático) ditando a história de seu antigo amigo e regente para seus escribas (Ptolomeu realmente escreveu uma biografia de Alexandre, que se perdeu no incêndio da biblioteca de Alexandria). É através de suas reminiscências que nós acompanhamos a vida do conquistador desde sua infância, marcada pelas desavenças entre seu pai - o soberano da Macedônia Filipe (Val Kilmer) -, e sua mãe - a manipuladora sacerdotisa Olímpia (Angelina Jolie, em papel que deveria ser de uma atriz bem mais velha...) -, até sua morte, como senhor do mundo conhecido. Esse sendo outro detalhe colocado em cena, devido a cabeça mirabolante do diretor.

Com tanto terreno a percorrer, é óbvio que Stone precisa deixar alguns detalhes de lado e, no processo, ele omite toda a vida de Alexandre entre sua adolescência e a batalha de Gaugamela (o auge de sua carreira de general, quando ele vence definitivamente o imperador persa Dario)! Isso é equivalente a fazer uma biografia do presidente Lula que passe direto de sua adolescência até sua posse como presidente da república! Muita coisa importante fica de fora (a fundação de Alexandria, o primeiro embate com Dario, a famosíssima história do Nó Górdio) e, embora o filme arrisque um flashback próximo ao final para mostrar alguns detalhes essenciais, a essa altura todos os espectadores que não têm um conhecimento razoável de história já perderam o fio da meada. Um erro imperdoável e incompreensível.

Mas a falha mais séria está no ator escolhido para viver Alexandre. Colin Farell simplesmente não consegue convencer ninguém como grande consquistador. Tudo bem que o roteiro não ajuda, afinal, mostra um Alexandre incompreensivelmente fraco e inseguro (o homem que arrastou um exército por meio mundo, comandou seus homens com pulso de ferro e lutou na linha de frente em todas as suas inúmeras batalhas, fraco? Sei...), mas Farell piora a situação com uma total falta do carisma necessário ao papel e uma atuação nada grandiosa.

Para agravar ainda mais a situação, Stone não perdeu a oportunidade de inserir suas manias particulares na produção. No “universo Stone” tanto Filipe quanto Alexandre foram mortos por complexas conspirações e a batalha dos macedônicos contra as forças indianas e seus elefantes de guerra foi travada em uma improvável floresta tropical no melhor estilo vietnamita (literalmente! A cena foi gravada na Tailândia!). Isso é, no mínimo, dispersivo e um sinal claro de que este talvez não fosse o filme mais indicado para Stone fazer.

Por fim, deve ser mencionado o elemento mais polêmico do filme. Antes de mais nada, é preciso lembrar que a maioria dos historiadores considera, tendo como base uma boa gama de evidências, que Alexandre era bissexual e que o grande amor de sua vida foi provavelmente seu companheiro de armas Hefastion (Jared Leto). Na produção, o personagem aparece exatamente nessa condição, o que faz do filme talvez o primeiro grande blockbuster com um protagonista que tem um relacionamento abertamente homossexual! Porém, essa ousada e louvável inovação acaba criando outro dos grandes defeitos da fita, já que Alexandre é mostrado quase que exclusivamente como um homossexual, sem que seja levado em conta seu também considerável apetite sexual pelo sexo oposto. Historicamente, o conquistador viveu uma grande paixão pela sua primeira esposa, a bela Roxane (Rosario Dawson), e se casou por interesse político outras duas vezes (fato que é mencionado muito rapidamente no filme e só serve para confundir ainda mais o público). Ironicamente, é com Roxane que ocorre a única cena de nudez e sexo do filme, provando que Stone, apesar da ousadia, ainda sabe muito bem para que público se destina o seu filme...

Ainda assim o filme tem qualidades. Apesar da interpretação um tanto errônea dos fatos (que resultou no Alexandre bundão que aparece choramingando nas telas entre seus companheiros), Stone mostra uma fidelidade insuspeita à história registrada, algo incomum e louvável nestes tempos de Gladiadores e Tróias! Ele também não poupa nos cenários grandiosos, figurinos impecáveis e, principalmente, na reconstituição da batalha de Gaugamela, que resulta numa das melhores adaptações que o cinema já fez de uma batalha real da antiguidade, humilhando os anêmicos combates de Tróia. Além disso, existe o mérito extra da batalha ter sido realizada majoritariamente com legiões de atores ao invés de figuras de computador! Um feito nada desprezível que ajuda a equilibrar a grande quantidade de problemas do filme.

O problema é que ao final de seu longo tempo de projeção (quase três horas) a fita deixa a sensação de ter sido ao mesmo tempo cansativa e insuficiente. Tendo um das figuras mais “filmáveis” da História nas mãos, Stone preferiu se perder em digressões sobre sua vida pessoal e suas inseguranças, em vez de mostrar sua interessantíssima carreira. Pior: Ao tentar julgar uma figura do passado distante com os olhos do presente ele criou um Alexandre asséptico e politicamente correto (!), bem diferente do passional, obsessivo e, por vezes, brutal conquistador dos livros de História. Muito próximo dos "conquistadores" modernos, Stone se perdeu numa norte-americanização do herói macedônico. Em vários momentos do filme nos questionamos se esse imperialismo, querendo levar a "liberdade" aos "bárbaros", não tem mais um quê de Bush, do que de Alexandre. Ao seguir na contramão de Hollywood (que costuma romancear mais a vida algo monótona da maioria das figuras históricas que aparecem em suas produções), Stone fez um filme que não está à altura da grandeza da personagem que decidiu retratar.