Ágata e a Tempestade
Nota: 7,5
Uma pena. Em tempos de charlatanismo, o chamado feel good movie se contamina cada vez mais pela auto-ajuda barata. Cineastas como o milanês Silvio Soldini, especialista neste tipo de filme que faz as pessoas saírem do cinema melhores do que quando entraram, perdem com essa vulgarização.
A sua iniciativa mais recente, Ágata e a Tempestade (Agata e la Tempesta, 2004), se ressente disso. Não por acaso, a personagem principal, vivida pela atriz Licia Maglietta, dirige uma livraria onde indica somente boa literatura aos clientes. Ágata gosta de acompanhá-los, saber se a leitura foi agradável, indicar outros livros. A esposa do seu irmão, por outro lado, trabalha como conselheira amorosa num programa de TV cuja cenografia imita um harém. Pior que as dicas somente o público que as segue. A caricatura que Soldini cria a partir daí diz muito da sua antipatia pela auto-ajuda.
E gente carente de cuidado é o que não falta na película. Gustavo (Emilio Solfrizzi), o irmão de Ágata, acaba de descobrir que foi adotado – e larga tudo para ir atrás das suas verdadeiras raízes. A própria livreira ainda tropeça na vida: mora longe da filha, não se firma entre namoros e, no momento, se apaixona por um homem casado.
A turbulência na vida de Ágata tem um reflexo curioso. De acordo com o seu estado de humor, ela queima lâmpadas ao seu redor. Algo como uma fábula pitoresca surge aí - com direito a belas cenas, como o apagão na estrada - mas Soldini não se interessa por aprofundar ou explicar a tal tempestade.
Os seus objetivos são outros. Logo no começo fica claro que Ágata e a tempestade é um filme bem mais ambicioso, apesar do seu perfil intimista, do que Pão e tulipas (Pane e tulipani , 2000), o seu melhor e mais famoso trabalho. Aqui, ele almeja rascunhar um ensaio não somente sobre a febre simplista da auto-ajuda, mas também, por extensão, sobre a crise de identidade – eu já estava escrevendo “imbecilização”, o que de toda forma não está errado – da massa italiana.
Repare que Gustavo larga a sua carreira bem sucedida de arquiteto, as suas viagens ao exterior, por um brejo caipira, bem perto do seu irmão de nascença, sujeito grosseiro mas de coração grande. Aliás, todos aqui, aos poucos, abandonam os estrangeirismos, as terapias orientais e, por que não, os programas de TV com figurinos árabes, para buscar a si mesmos nessa Itália Profunda.
Nesse ponto, é possível criticar Soldini por seu provincianismo ingênuo. Crescem as ambições, crescem também as frustrações. Fiquemos então somente no seu primeiro alvo, o de denunciar gurus e fórmulas mágicas de felicidade. A resolução do filme se encarregará de dar um bom fim à charlatã da TV, enquanto Ágata repassa algumas lições realmente valiosas de F. Scott Fitzgerald (1896-1940) e Gustave Flaubert (1821-1880) àqueles que necessitam.
Seria ótimo se Soldini se reservasse sempre a fazer esse mesmo feel good movie que enriquece, mas não menospreza a complexidade da nossa vida.
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