09 fevereiro 2005

Desventuras em Série



Nota: 6

O Divirta-se, guia cultural hebdomadário do Jornal da Tarde, faz uma brincadeira com o prêmio da Academia, elegendo Oscars de Melhor homem de salto alto (Má Educação) e Melhor meninas superpoderosas (Kill Bill), entre outros. Se eles decidirem dar um Oscar de Melhor animação nos créditos finais, Desventuras em Série (Lemony Snicket´s A series of unfortunate events, 2004) com certeza será o vencedor. Aquelas letrinhas que geralmente são chatas e fazem quase todo mundo sair do cinema mesmo com as luzes ainda apagadas são mostradas aqui de uma forma diferenciada, animada. E por animada, eu quero dizer "em movimento" e não "cheio de vida e energia", afinal, este não é um filme infantil alegre. Se é algo bonitinho e com personagens cantarolantes que você quer, melhor voltar para a página de estréias da semana, ou procurar na lista de DVDs que foram lançados nos últimos dias.

Quem já leu pelo menos um dos livros da série Desventuras em série, escrita e narrada por Lemony Snicket (pseudônimo de Daniel Handler), sabe que a vida não é fácil para os irmãos Baudelaire. Violet (Emily Browning, de Navio Fantasma), Klaus (Liam Aiken, de Estrada para Perdição) e a bebê Sunny (papel dividido entre as gêmeas Kara e Shelby Hoffman) estavam na Praia de Sal quando receberam a mensagem de que seus pais haviam morrido em um misterioso incêndio que aconteceu em sua mansão. Ainda em choque, eles são levados à casa de seu novo tutor, o ator conhecido como Conde Olaf (Jim Carrey), que fará de tudo para colocar as mãos na enorme fortuna herdada pelos três.

Neste misto de drama, aventura e fantasia, o diretor Brad Silberling e o roteirista Robert Gordon conseguiram transportar para a telona um pouco do senso de humor um tanto quanto bizarro que há nos livros e ainda aumentaram o clima sombrio. Boa parte desta última característica é uma conseqüência do trabalho do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, do designer de produção Rick Heinrichs e da figurinista Collenn Atwood. Os três são parceiros recorrentes do cineasta Tim Burton, dono de um estilo único que equilibra o bizarro e o rebuscado, como se pode ver em longas como Edwards Mãos de tesoura, Ed Wood e Peixe Grande.

Apesar de mimetizar muito bem os ambientes e situações que Burton costuma criar, fica a curiosidade de saber o que o Burton de verdade faria com este universo. Talvez a primeira coisa seria mandar embora o ótimo (mas geralmente exagerado) Jim Carrey e contratar Johnny Depp. Depp já provou inúmeras vezes que consegue interpretar papéis bem diferentes entre si e conseguiria facilmente recriar os personagens que Olaf interpreta para tentar dar cabo dos pequenos Baudelaire. Uma outra ótima saída seria manter Carrey, porém com rédeas mais curtas, domado e no seu devido lugar. Afinal, as crianças deveriam ser as estrelas da série, mas o barulho feito pelo Conde Olaf de Carrey é tão alto que abafa qualquer ruído feito pelos sempre bem-educados órfãos, que por isso continuam em perigo durante todos os 108 minutos da fita.

Mas Jim Carrey não é o único famoso do grupo. Para os papéis dos tios Monty e Josephine, foram chamados Billy Connolly (Linha do tempo, O último samurai) e Meryl Streep (As horas, Adaptação). Quem empresta voz e perfil para narrador Lemony Snicket é Jude Law (Alfie, o sedutor, Perto demais). O guardião dos direitos dos meninos é Timothy Spall, de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban e Agora ou nunca. E, para simplificar a lista, vale dizer também que Dustin Hoffman aparece rapidamente no papel de um crítico de teatro.

Porém, quem merece mesmo os créditos são as crianças, que estão ótimas. Logo na apresentação, já ficamos sabendo que Violet, de 14 anos, é a inventora da família e que quando ela prende suas madeixas com a fita, é porque está pensando em algo e não quer que uma coisa boba como um cabelo no rosto a atrapalhe. Klaus, dois anos mais novo, passa horas na biblioteca da família e consegue absorver todas as informações pelas quais já passou seus olhos. No entanto, a mais carismática é mesmo Sunny, cujo único dom até o momento é que ela gosta muito de morder as coisas. Qualquer coisa. Ah, e ela ainda não fala... pelo menos não a nossa língua. Mas não se preocupe com isso, pois até mesmo os seus grunhidos são legendados.

Desventuras em série se tornou um enorme sucesso literário porque apesar de ser feito para crianças não é infantil. E isso o filme conseguiu captar muito bem. Apesar das bocas e caras de Carrey, que podem causar caretas em alguns adultos, trata-se de uma aventura tão ou mais interessante que Pequenos espiões e Harry Potter. O motivo é simples: ao contrário do que acontece na história, Daniel Handler, ou Lemony Snicket, ouve as crianças e por isso mesmo, não as trata como seres não pensantes. Seria tão bom se os filmes nacionais voltados aos pequenos seguissem esta mesma trilha...