14 maio 2007

Batismo de Sangue



Nota: 9

Histórias sobre a ditadura brasileira (1964-1985) formam uma das fontes de inspiração do cinema brasileiro atual. Depois do sucesso e premiações de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger - que chegou a competir no Festival de Berlim -, chega às telas Batismo de Sangue.

Dirigido pelo mineiro Helvécio Ratton (Uma Onda no Ar), o filme, que recebeu os troféus de melhor direção e fotografia no Festival de Brasília 2006, adapta as memórias do religioso e escritor mineiro Frei Betto, como é conhecido o frade, jornalista e escritor Carlos Alberto Libânio Christo, ex-assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Exibindo cenas de tortura com uma franqueza que o cinema nacional não registrava havia muito tempo, como aconteceu em filmes como Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia (1977), de Hector Babenco, e Pra Frente Brasil (1982), de Roberto Farias, Batismo de Sangue aborda um período que começa em 1968, quando um grupo de jovens frades dominicanos aderiu à luta armada.

Sem o conhecimento da cúpula da Igreja Católica, esses religiosos faziam contatos e davam apoio à fuga de guerrilheiros de esquerda, em plena ditadura militar, governo do general Emílio Garrastazu Médici.

Entre eles, Frei Betto (Daniel Oliveira) e Frei Tito de Alencar (Caio Blat) - que terminou se suicidando na França, em 1973, depois de sofrer um longo processo de depressão, causado pelas torturas sofridas sob as ordens do delegado Sérgio Paranhos Fleury (Cássio Gabus Mendes).

O projeto dessa filmagem começou em 2002, quando Frei Betto enviou ao diretor Helvécio Ratton seu livro Batismo de Sangue com uma dedicatória: "Coragem! A realidade extrapola a ficção." Também ajudou Ratton o fato de ter militado na luta armada nos anos 1970. O futuro cineasta chegou a viver exilado no Chile por alguns anos.

Ao voltar ao Brasil em 1973, foi preso e passou alguns meses em celas escuras, isolado e, às vezes, completamente nu e encapuzado, como ele relata no livro Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas, de Pablo Villaça, da Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

O filme tem, é claro, "a tortura como um personagem central", observa o diretor, já que o filme narra o apoio de frades dominicanos a grupos de esquerda que lutavam contra a ditadura militar brasileira dos 60 e, sobretudo, os efeitos da prisão e tortura em Frei Tito, que se suicidou na França, em 1974, aos 29 anos, sofrendo de visões persecutórias.

Quando Batismo de Sangue deu a Ratton o troféu Candango de melhor diretor, no Festival de Brasília, no ano passado, Frei Betto referendou o filme e a iniciativa de abordar os anos de chumbo no cinema.

"Não queremos vingança, mas esquecer seria injusto", afirmou o religioso. Ratton, que viveu exilado no Chile durante a ditadura militar, diz que "o revanchismo" tampouco é sua meta com o filme, mas acredita que "se estabeleceu no Brasil um pacto de silêncio em relação à tortura".

O diretor pretendeu romper esse pacto, filmando com intenso realismo as cenas de tortura que terminaram por arrancar dos frades a informação que levou ao assassinato, em 1969, do líder guerrilheiro Carlos Marighella (Marku Ribas) pelo delegado Fleury (Cassio Gabus Mendes) e sua equipe.

"Tito foi quebrado pela tortura. Mostrar isso com meias-verdades seria de um cinismo enorme, em nome não sei de quê, a não ser esse pacto do silêncio. Chega de meias-verdades. Vamos às verdades inteiras", afirma o diretor.

A representação da tortura por Ratton em Batismo de Sangue tem sido um aspecto questionado pela crítica, que enxerga nela certa intenção sádica do cineasta.
Ratton diz se espantar com o fato de que a mesma atenção da crítica brasileira não se volte para o blockbuster norte-americano 300, em que a violência é muito mais explícita e brutal".

Para o diretor, no entanto, há uma explicação para o incômodo que a abordagem da tortura em seu filme provoca. "Acho que o que dói em Batismo de Sangue é que aquilo aconteceu realmente e há muito pouco tempo. Foi ontem, em relação ao tempo histórico. Os personagens dessa história ainda estão vivos", afirma.

Mas não é só a barbárie que Batismo de Sangue encena. Numa reconstituída carceragem do DOPs que existiu em São Paulo, os frades presos rezam uma missa em que o vinho é substituído por Q-Suco de uva e a hóstia, por bolachas Maria.

"Acho que essa cena passa a idéia da resistência, não a física, mas aquela que possibilita emergir de um momento de desespero", avalia o diretor, que prepara novo longa com "um pouco de leveza, para compensar a densidade".