18 abril 2007

Ventos da Liberdade



Nota: 9

Ventos da Liberdade (The Wind That Shakes the Barley, 2006) foi o grande vencedor do Festival de Cannes de 2006. Já estava na hora do veterano e talentoso cineasta Ken Loach ser premiado. Ele já tinha participado sete vezes da corrida à Palma de Ouro e embora este não seja o seu melhor filme, é uma inspiração para novos cineastas.

Ao retratar a Irlanda dos anos 1920, em luta contra os dominadores ingleses, Loach comprou uma briga. Afinal, ele mesmo é inglês e nem por isso se intimidou em retratar seus compatriotas como opressores, violentos, irracionais. Como numa cena em que mostra soldados britânicos fazendo uma revista numa casa irlandesa e afinal matando um adolescente apenas porque não quis dizer seu nome em inglês, insistindo na pronúncia em sua língua nativa.

Na Irlanda, em 1920, trabalhadores do interior do país se organizam para enfrentar os esquadrões britânicos que chegam para sufocar o movimento pela independência. Cansado de testemunhar tanta brutalidade, Damien, um jovem estudante de medicina, abandona tudo para juntar-se ao irmão Teddy, que há tempos já aderiu à luta armada. Quando as táticas não-convencionais dos irlandeses começam a abalar a supremacia dos soldados britânicos, o governo se vê forçado a negociar e os dois lados discutem um acordo de paz. Nesse momento, na Irlanda, aqueles que estavam unidos pela independência se dividem entre os que são a favor e os que são contra o acordo, deixando os irmãos em lados opostos de uma nova guerra, agora interna.

Ken Loach é um cineasta político-militante e suas produções são carregadas de mensagens políticas. Quem conhece seu trabalho sabe que seus filmes sempre envolvem situações do estilo Davi contra Golias, isto é, entre o comum e o poderoso. Mais preocupado com a composição poética do que com o formato, sua narrativa é predominante convencional. Mas engana-se quem acha que isso seja um demérito. Pelo contrário. Seus filmes costumam acertar no coração do público. Seu tema preferido é apresentar as relações humanas em meio a um forte cenário político.

Ultimamente, Loach parecia estar mais preocupado com os relacionamentos do que com a política. Apenas um Beijo (2004) e Tickets (2005), seus dois últimos longas-metragens, foram produções irregulares que apostaram nessa premissa. The Wind That Shakes the Barley é um retorno ao seu melhor cinema. Mesmo estando um degrau abaixo dos ótimos Agenda Secreta (1990) e Terra e Liberdade (1995), o filme é um tributo à diversidade da discussão política, não só entre a Inglaterra e a Irlanda, mas também entre os próprios irlandeses. E o debate acaba sendo convertido em um melodrama, em que dois irmãos acabam ficando de lados opostos. Também é uma oportunidade para o público entender com o IRA foi concebido.

Loach consegue aproveitar bem a odisséia política dos irmãos durante o conflito entre ingleses e irlandeses. Damien vai perdendo seu pragmatismo e vai se tornando cada vez mais idealista. Por sua vez, Teddy começa a duvidar de suas convicções iniciais. Tentando ser justo com os dois lados da balança, Loach apresenta argumentos e contra-argumentos, mas gradualmente o drama vai se perdendo dentro de um amplo labirinto de forças políticas.

Encabeçando o elenco temos Cillian Murphy (Batman Begins, Extermínio), que está soberbo no papel de Damien. Não é de hoje que suas interpretações vêm sendo pontuadas com talento e raça. Outros destaques são Padraic Delaney no papel de Teddy e Liam Cunningham como Dan, um maquinista que se torna revolucionário. O resto dos atores cumpre bem a proposta, deixando como único ponto negativo a personagem chamada Sinead, interpretada por Orla Fitzgerald. Não por culpa dela. Sua atuação é boa, mas a personagem foi criada para ser um simples interesse romântico para Damien. Talvez tenha sido a maneira encontrada por Loach para tentar disfarçar uma predominância de personagens masculinos na trama.

O filme impressiona também por seu apuro técnico. Méritos para o diretor de fotografia Barry Ackroyd, o cinegrafista Fergus Clegg e o compositor George Fenton. Mas o destaque fica mesmo para Ken Loach, que junta tudo isso e presenteia o público com cenas impressionantes. E mesmo que você não simpatize com os republicanos irlandeses, não tem como não se encantar com a sensibilidade com que ele retrata o assunto. Loach ainda aproveita para construir um paralelo com a situação atual política no Iraque. Fica a triste mensagem de que ainda não aprendemos a lição.

É de se notar a energia com que Loach filma aos 70 anos, em uma maturidade muito criativa. E não lhe faltam humor, paixão, nem mesmo poesia. O título original do filme (The Wind that Shakes the Barley) vem de uma canção de Robert Dwyer Joyce, que sintetiza o apaixonado espírito da pátria de James Joyce e Samuel Beckett.