18 abril 2007

Ponte Para Terabítia



Nota: 8

É comum ouvir adultos julgando a "vida fácil" das crianças. O que estes marmanjos parecem esquecer é que a infância não era assim tão fácil assim. É só lembrar dos pesadelos causados pelos primeiros dias na nova escola, ou do medo dos colegas maiores, do temor de fazer algo estúpido na frente de todo mundo, ou da vergonha de alguém reparar naquela roupa que sua mãe escolheu. Ei, quem nunca passou por isso?

Ponte para Terabítia (Bridge to Terabithia, 2007) chega para nos lembrar dessas dificuldades, fazendo um filme sobre e para as crianças que não é infantil. A história se passa em uma zona rural no interior dos Estados Unidos. Jess é o único filho no meio de outras quatro irmãs, duas mais velhas e duas caçulas. É ele quem assume as responsabilidades dos trabalhos pesados e manuais quando seu pai não está em casa - uma grande constante. Suas únicas diversões são desenhar no seu caderno e treinar para se tornar o mais rápido da escola.

No primeiro dia de aula tem uma corrida. É a chance de se vingar daquele moleque que não pára de atormentá-lo. Vento no rosto. Concorrentes comendo poeira. Enfim a glória? Não. A novata que acabou de se mudar - sim, uma menina - vem por fora e vence todo o seu esforço com um maldito sorriso no rosto. Passa por ele como se estivesse flutuando. Vencido por uma menina! Qual o garoto que não se sentiria humilhado? Mas Leslie não fez por mal. Ela só estava tentando se enturmar.

O pior, no longo caminho para casa, naqueles ônibus escolares americanos que remontam à toda a fauna escolar, a tal menina está lá, para lembrá-lo da derrota. Ela é sua nova vizinha. Seus pais são escritores e se mudaram para o interior em busca de novos ares. Leslie fica sozinha, mas jamais solitária. Sua imaginação é ainda mais rápida que seus pés e em pouco tempo ela mostra a Jess um novo mundo, em que sonhar é deixar para trás os problemas da vida real. Juntos eles criam Terabítia, um reino que foi destruído pelo Senhor das Sombras e que eles deverão reconstruir mesmo contra a vontade de trols e águias peludas.

A história foi escrita por Katherine Paterson em 1976, para ajudar seu filho mais novo, David, a enfrentar um enorme trauma em sua vida. Funcionou tão bem que o próprio David Paterson ajudou a escrever o roteiro e a produzir o filme ao lado de Lauren Levine, que levou o projeto para a Walden Media. Melhor lugar não havia, já que o estúdio é o mesmo que adapta para as telonas as Crônicas de Nárnia, inspiração confessa da autora. No livro, Leslie empresta seus livros sobre Nárnia para Jess, para que ele aprendesse como funcionava um reino mágico e como um rei deveria se comportar.

Veja bem: inspiração! Ponte para Terabítia, o filme, pelo menos, tem pouquíssimo em comum com a história de C.S. Lewis. Na história dos Paterson, a passagem para este reino encantado não é uma total fuga da realidade. O fantástico e o real estão o tempo todo se esbarrando. Os sonhos não são longos e sem fim, mas bastante intensos enquanto duram. Entre uma viagem e outra a Terabítia, Jess e Leslie têm de voltar para casa, para suas vidas, para os problemas do dia-a-dia.

A adaptação foi comandada por Gabor Csupo, que depois de criar, escrever e produzir diversas animações (incluindo aí Rugrats - Os Anjinhos) estréia no cinema live-action. O húngaro entendeu o espírito do livro e conseguiu criar um filme que não banaliza a experiência das crianças. A ponte que ele constrói não leva apenas para Terabítia, mas para um lugar maravilhoso, onde elas não são pequenos seres não-pensantes e sem sentimentos.

Terabítia, mais do que a terra onde os protagonistas são rei e rainha, é a fuga do "bullying" sofrido na escola, da ausência dos pais escritores de Leslie, da escassez econômica. A principal passagem na narrativa criada pela americana Katherine Paterson, ganhadora do Prêmio Hans Christian Andersen, não é a do mundo real para o da fantasia, mas sim da infância para a adolescência. Mas a história de Paterson é comovente justamente por não diluir a realidade com tons fantasiosos -sim, existe dor, perda e frustração no mundo real.