24 abril 2007

Caixa Dois



Nota: 7,5

Os produtores e roteiristas brasileiros têm buscado inspiração em comédias de sucesso no teatro para levar às telas. Depois de adaptações como Irma Vap e Trair e Coçar É Só Começar, chega Caixa Dois, de Bruno Barreto.

Com roteiro baseado na peça homônima de Juca de Oliveira, o filme coloca em cena a corrupção em diversos níveis da sociedade brasileira.

A peça estreou em São Paulo no final dos anos 90, ficou mais de cinco anos em cartaz, cumpriu turnês em diversas outras cidades e acumulou um público de mais de 1 milhão de pessoas.

Luiz Fernando (Fúlvio Stefanini) é um banqueiro que consegue R$ 50 milhões numa transação não muito honesta. O doleiro encarregado de lavar o dinheiro, porém, morre, e o ricaço pede para seu assistente (Cassio Gabus Mendes) conseguir um novo "laranja".

Sobra para a secretária Ângela (Giovanna Antonelli) a função. Ela também pensa em ganhar algo com a falcatrua; afinal, sabe que só tem um emprego porque é bonita e um dia a beleza vai acabar.

Na outra ponta da história está a família de Roberto (Daniel Dantas), um funcionário competente de uma das agências de Luiz Fernando. Ele é casado com Lina (Zezé Polessa), uma professora primária pobre, porém honesta. No entanto, com o corte de gastos no banco ele acaba sendo demitido. Quando tenta reverter a situação, as coisas só pioram.

Tudo fica mais complicado quando o dinheiro vai parar na conta da professora Lina, por engano. Começa uma série de encontros e desencontros envolvendo todos os personagens. Luiz Fernando descobre que ela é mulher de Roberto e tenta conseguir ajuda do ex-funcionário (que em troca ganhará o emprego de volta) para recuperar o dinheiro.

Enquanto isso, Ângela procura Lina, que é sua sogra, para conseguir reaver o dinheiro. As duas também pensam na hipótese de denunciar o banqueiro, mas ficam tentadas a silenciar por saber que Luiz Fernando é rico e poderoso e esse dinheiro não é honesto.

É uma rede de intrigas não muito complexa, que funciona mais no teatro do que no cinema. Transitando por poucos ambientes e com poucos personagens, Caixa Dois tira bom proveito de um ou outro diálogo espirituoso e bem sacado do texto original. A direção de Barreto, porém, é impessoal, resultando num filme genérico e pouco cinematográfico, que mais parece seriado de televisão.

Fica claro que Bruno Barreto quer falar do Brasil contemporâneo com o seu filme, abordando um tema que não sai dos noticiários. Ao mesmo tempo, procura fazer a classe média rir de suas próprias mazelas.

Quando a confusão já se instalou em Caixa Dois, a professora interpretada por Zezé Polessa ironiza a suposta inocência do banqueiro Luiz Fernando (Fúlvio Stefanini) em uma história que envolve seu banco. Diz que está diante de mais um presidente "que não sabia de nada".

Os ecos tardios dos escândalos políticos de 2005 talvez sugiram que seja aberta a caixa-preta dos usos e costumes da elite brasileira na virada do milênio, com a contundência que ainda se espera de um filme brasileiro sobre o tema.

Não é, contudo, o que se vê. O protagonista da história é um cheque de R$ 50 milhões, resultado de falcatrua celebrada em Brasília na seqüência de abertura, mas sobre a qual não se falará mais nada. Os apuros giram em torno de fantasias bancárias sobre os caminhos que um cheque manchado de ovo pode percorrer.

É uma situação de chanchada, que Stefanini traduz melhor do que ninguém. Seu banqueiro responde pelas estocadas mais fortes de humor. Haveria aí uma trilha a explorar de maneira mais intensa, com a ajuda de Polessa e de Daniel Dantas.

Mas, no caminho da chanchada, há alguns pedregulhos. Em um filme sobre capital, ato falho: desconsolado, o personagem de Cássio Gabus Mendes, capacho do banqueiro, se pergunta se haveria emprego para ele na empresa "x" - que vem a ser uma das patrocinadoras de Caixa Dois, via mecanismos de incentivo por meio de renúncia fiscal. Merchandising ingênuo a denunciar que desse mato jamais sairá um filme brasileiro voltado, para valer, contra a elite.