18 abril 2007

Um Beijo a Mais



Nota: 5

A adolescência não acontece apenas uma vez na vida. Ela muda de nome (passa a se chamar crise) e ocorre de tempos em tempos, quando se avança uma década de existência. A confusão é particularmente gritante em O Último Beijo.

No papel, é mínima a diferença entre o italiano O Último Beijo (2000) e a sua versão hollywoodiana, a comédia dramática Um Beijo a Mais (The Last Kiss), de Tony Goldwyn. O texto, os personagens, as situações são os mesmos. O que difere os dois filmes é a escalação do elenco - especificamente, a relação que o público mantém com os protagonistas e a imagem prévia que se faz deles.

Stefano Accorsi já era conhecido mundialmente por Capitães de Abril quando protagonizou o original, mas não é um tipo de fama como a de Zach Braff, o astro da telessérie cômica Scrubs. Criado no humor, o maior desafio de Braff é se desligar da imagem de comediante para que a parte dramática de seus filmes deslanche. Ele conseguiu transitar entre o choro e o riso em sua estréia no cinema, Hora de voltar, mas o desafio de Um Beijo a Mais é maior.

Maior porque envolve uma trama romântica convencional - em oposição ao tom indie-caricato de Hora de Voltar, que já era um subterfúgio em si mesmo - e envolve uma reviravolta moral e emocional mais difícil de ser manejada. Na história, Braff vive Michael, um arquiteto prestes a casar que atravessa a crise dos 30 anos. O fato de não haver mais surpresas no seu horizonte o angustia. Sua noiva, Jenna (Jacinda Barrett), está grávida e quer comprar uma casa. Durante uma festa de casamento, Michael conhece Kim (Rachel Bilson).

Todos à volta de Michael se arrependem de suas vidas, como o amigo Chris (Casey Affleck), que não suporta a mulher de seus filhos. O protagonista não quer isso para si mesmo. A traição vem como um respiro. Em Kim, Michael recupera a liberdade, a inconsequência etc. Mas crise é crise, uma hora se supera. Quando percebe o que fez, Michael tentará de tudo para que Jenna o aceite de volta.

Em paralelo, a narrativa de Um Beijo a Mais retrata alguns amigos de Michael. Todos na mesma faixa etária e enfrentando problemas que, se não são iguais, têm a mesma origem: o medo de aceitar a vida adulta. Também problemática é a vida de Anna (Blythe Danner), sogra do protagonista. Chegando à terceira idade, a personagem percebe que o tempo está passando rápido e ela está deixando escapar a chance de ser feliz.

A direção de Tony Goldwyn (Alguém como Você) é apenas correta, transformando Um Beijo a Mais em só mais uma comédia romântica sem grande originalidade, apesar de o roteiro ser assinado pelo premiado Paul Haggis (diretor e roteirista de Crash -- No Limite, Oscar de melhor filme em 2006).

É uma trama no limite da água-com-açúcar e do bom senso, na qual a principal âncora dramática, o ponto que o espectador tem para se segurar, é em Michael. Se não acreditamos que ele sofre, que ele se arrepende, que ele muda, então o filme não funciona. E - o diabo está aí - fica sempre aquela sensação mole de que o choro de Braff é de brincadeirinha.

Sabe quando a sitcom, tipo Friends, arma um revés para o personagem só para dizer que injetou drama entre uma piada e outra? Então. Não adianta pôr a culpa na O.C. Rachel Bilson. Um Beijo a Mais tem cara de drama-Friends por causa do ator mesmo. Para aproximar mais a comparação, é como quando morre um paciente em Scrubs - chega a ser ofensiva a maneira como o drama se infiltra na comédia com o intuito, desnecessário, de justificá-la dramaturgicamente.

Em Um Beijo a Mais, essa incompatibilidade entre a seriedade da trama e a vocação para o descompromisso de Braff inviabiliza o filme. A qualquer momento parece que Michael vai virar para Jenna - que Jacinda interpreta excelentemente, aliás - e entregar que tudo não passava de uma pegadinha: "olha ali para a câmera escondida!". Braff é bom ator, inegável, mas tem hora que isso não basta.