20 março 2007

Faces - Cassavetes (1968)



Nota: 9

Pouco dinheiro, muita liberdade e ousadia. Com essa fórmula de trabalho, o diretor americano John Cassavetes (1929-1989) tornou-se, nos anos 60 e 70, um dos pioneiros do que hoje se conhece como cinema independente.

Sua obra, que circulou muito pouco no circuito comercial brasileiro, está sendo redescoberta a partir de um miniciclo de cinco títulos, realizado no início de fevereiro no Cinesesc de São Paulo, incluindo Uma Mulher sob Influência, Faces, A Morte do Bookmaker Chinês, Noite de Estréia e Sombras. Todos os filmes estão entrando em cartaz sucessivamente na mesma sala.

Faces (1968), quarto filme do diretor, que lhe valeu uma indicação ao Oscar de roteiro original e que é uma verdadeira síntese de seu estilo.

Filmando com diversas câmeras e criando uma atmosfera de aparente improvisação - que na verdade era obtida pela realização de muitos ensaios prévios do elenco -, ele conta uma história de busca e desencontro a partir da vida de alguns casais.

Um deles é formado por Richard (John Marley) e Maria Forst (Lynn Carlin), ele mais velho, ela jovem, ambos mergulhados numa intensa crise. Por conta do estranhamento entre eles, ambos buscam outros relacionamentos.

Ele com a prostituta Jeannie (Gena Rowlands, mulher e musa constante de Cassavetes). Ela, numa noitada com amigas num bar, conhece um rapaz de programa, Chet (Seymour Cassel).

A partir desse casal central, o filme incorpora diversos outros personagens e situações que vão compondo um círculo de relacionamentos, de onde o diretor e roteirista extrai um ritmo que procura semelhança com a própria vida.

Não há flashbacks para explicar o passado de ninguém, não há discursos morais. Cassavetes filma todos, homens e mulheres, numa eterna procura, em eterno movimento.

Essa característica dá ao filme, apesar de ter sido feito há quase 40 anos, uma vitalidade e energia notáveis. À parte os figurinos e penteados, nada parece datado aqui - nem mesmo a bela fotografia em preto e branco, que contribui para a dramaticidade buscada no drama.

O ritmo ágil do filme deve muito à montagem, que demorou um ano e meio para ser completada. Toda a produção de Faces, aliás, foi bem demorada: seis meses de filmagem e dois anos e meio entre montagem e pós-produção.

O controle de custos só foi possível porque a maior parte dessas etapas eram realizadas na própria casa de Cassavetes e Gena, em Los Angeles, com a estreita participação de todos no elenco e na equipe técnica.

Ator e diretor que se rebelou contra Hollywood - onde teve problemas como a montagem a sua revelia de seu filme Minha Esperança É Você (1963) por ordem do produtor Stanley Kramer -, Cassavetes também se tornou conhecido por algumas de suas interpretações.

Uma delas foi o papel do indisciplinado Victor Franco em Os Doze Condenados (1967), de Robert Aldrich -- pelo qual teve indicação ao Oscar de ator coadjuvante-, e outra o intermediário do diabo no terror O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski.

Não é difícil notar que John Cassavetes escreveu Faces, como uma peça teatral cujas longas cenas parecem intermináveis e só encerradas, tem-se a impressão, porque a montagem as interrompe.

Resta sempre aos personagens algo em suspenso, que ainda é preciso dizer, fazer ou tentar consertar -e a derradeira imagem do filme, de simbolismo extraordinário, representa como levar esse procedimento às últimas conseqüências, deixando o público na expectativa do que poderá ocorrer.

Na primeira versão, que foi exibida em festivais, Cassavetes usava a conclusão como um prólogo e contava, em flashback, o que havia levado o casal de protagonistas àquela situação de aparente bonança. A montagem definitiva, sem o prólogo, caminha linearmente até o final, agora em aberto.

Com essa opção, que o aproxima ainda mais de seu duplo na obra de Cassavetes, Uma Mulher sob Influência (1974), o filme acentua a força dramática produzida a partir do trabalho de improvisação com os atores. Não são eles que atuam para a câmera; é a câmera que os procura enquanto expõem sua vulnerabilidade.
Como o cineasta faria outras vezes, um casamento que passa por uma situação-limite funciona como microcosmo da sociedade. Richard (John Marley), executivo bem-sucedido, e Maria (Lynn Carlin), sua mulher, já não cabem mais na vida burguesa e infeliz que levam em Los Angeles.

Para o marido, a turbulência emocional é potencializada por uma garota de programa bem mais jovem (Gena Rowlands); para a esposa, por um nova-iorquino também mais jovem (Seymour Cassel). Outros personagens giram em torno deles, trazendo mais desconforto.

Já seria, apenas pelo argumento, uma experiência anti-hollywoodiana. Cassavetes reforça esse aspecto ao rodar o filme em 16 mm e em preto-e-branco, com a câmera quase sempre na mão e um emprego diversificado de película e luz.

Entre as filmagens (no primeiro semestre de 1965) e o lançamento, houve Maio de 68. Faces é uma antevisão da crise de valores que explodiria.