20 março 2007

A Pele



Nota: 7

Se você parar para pensar meio minuto, dá para elencar uma série de motivos pelos quais A Pele (Fur - An Imaginary Portrait of Diane Arbus) teria tudo para se tornar queridinho dos críticos e um grande candidato ao Oscar deste ano. Vejamos: trata-se de uma cinebiografia de um personagem polêmico e já falecido (no caso, a fotógrafa Diane Arbus), dirigida de maneira quase indie por um sujeito do meio alternativo e conhecido por seus filmes pouco digeríveis e ortodoxos (como é o caso de Steven Shainberg, do amado/odiado Secretária) e estrelada por uma bela atriz hollywoodiana em um papel no qual não é vista costumeiramente (aqui representada pela namoradinha da América, Nicole Kidman). Estava feita a soma perfeita.

Mas aconteceu que A Pele não convenceu os críticos norte-americanos (que não massacraram a película, mas tampouco lhe deram qualquer destaque) e não comoveu a Academia, que nem ligou para a performance de Kidman - "ei, ela já ganhou mesmo por As Horas, melhor esperar mais um pouquinho até que a moça volte a concorrer...". E se não deu certo, diabos, o que poderia ter dado errado? Ninguém sabe. O que você precisa saber, por enquanto, é que Shainberg se foca muito mais nos aspectos lúdicos da trama, desenvolvendo uma história sutil e subjetiva de visual estranho e ao mesmo tempo sedutor, com toques de Alice no País das Maravilhas e seu non-sense colorido. O resultado final é anticomercial, bem esquisito e pouco atrativo para quem esperava apenas e tão somente um romance apimentado entre os protagonistas. Mas ainda assim, muito legal.

Bom, na verdade, A Pele não é uma cinebiografia no sentido literal da palavra. Deixa só eu tentar explicar, começando pela história da tal Diane Arbus. Nascida Diane Nemerov, a garota nova-iorquina era a herdeira de uma riquíssima família judia, na qual acabou sendo obscurecida pelo talento de seu irmão mais velho, o poeta Howard Nemerov. Aos 14 anos, se apaixonou pelo fotógrafo e futuro ator Allan Arbus, com quem se casaria ao completar 18 anos - contra a vontade dos pais. Quando Allan começou a treinar fotografia para seus trabalhos no exército norte-americano, ensinou parte do que sabia para a jovem esposa. Juntos, ele se tornaram uma força poderosa no mundo da moda, com Allan por trás das lentes e Diane trabalhando como estilista. Estavam felizes e tiveram duas filhas: Amy e Doon. Mas ela queria mais. Começou a aprender sozinha e a tirar suas próprias fotos. Apesar de manter o sobrenome, se separou de Allan em 1959 e iniciou uma carreira como fotojornalista para revistas como a Esquire e a The New York Times Magazine. Logo desenvolveria o estilo que a tornaria a mais famosa, deixando as modeletes de lado e optando por clicar pessoas com deformidades físicas, internos de hospícios, prostitutas, anões e gigantes, entre outros - transformando sua obra em um verdadeiro freakshow.

O fato é que este A Pele, apesar de ser estrelado por uma personagem real, é uma espécie de alegoria, um conto de fadas que tenta imaginar que tipo de acontecimento poderia ter transformado tanto a cabeça de Arbus a ponto de fazê-la tornar-se de uma dona de casa submissa, amável e dedicada em uma verdadeira porra-louca independente, cheia de estilo e com um legado histórico muito mais importante do que aquele deixado por seu ex-marido. É, portanto, uma história fictícia. Mas com alguns pedaços de uma história real.

Na história contada por Shainberg, a mudança é sintetizada e cristalizada no papel de Lionel, interpretado de maneira magistral por Robert Downey Jr.. Este estranho vizinho que se muda para o mesmo prédio dos Arbus desperta desejos em Diane que a moça jamais esperou sentir antes. Ela se aproxima dele, se sente viva e com uma lacuna finalmente preenchida em sua existência. Os dois começam a ter um caso, e a futura lenda da fotografia finalmente enxerga o seu potencial até então amortecido e desperdiçado. O charmoso e provocante Lionel, no entanto, não é um sujeito comum: ex-atração de circo, ele sofre de uma doença raríssima de nome hipertricose, que recobre seu corpo inteiramente de pêlos e o faz parecer-se com uma espécie de lobisomem. Não é lá o estereótipo mais apaixonante, pelo menos à primeira vista... mas Downey defende o personagem com tanta graça que se torna absolutamente adorável e irresistível.

Não espere nada do tipo Reencarnação, como talvez o clima do trailer possa sugerir. Não se trata de uma história de amor, mas sim de libertação. Assim como no recente Pecados Íntimos, A Pele trata de uma mulher comum, presa a uma vida miserável e medíocre na qual ela se afunda cada vez mais em um casamento infeliz, perdendo totalmente a noção de quem ela é de verdade - até que vem uma virada. A diferença é que, apesar de ser o retrato de uma mulher que realmente existiu, a protagonista de A Pele passa por sua transformação em um mundo surreal, quase onírico, enquanto a protagonista de Pecados Íntimos encara um verdadeiro banho de mundo real e poderia muito bem ser a sua vizinha do apartamento da frente. Ah, sim: e foi indicada ao Oscar. Mas Nicole Kidman não.