27 março 2007

O Cheiro do Ralo



Nota: 6

O Cheiro do Ralo, filme baseado no livro de mesmo nome do quadrinista Lourenço Mutarelli, tem dividido as opiniões do público e da crítica por seu humor negro e quase escatológico, com um personagem escroto e capitalista ao extremo, que só pensa no poder que o dinheiro lhe dá, desde sua primeira exibição, há seis meses, no Festival do Rio.

Ainda assim, o longa dirigido por Heitor Dhalia (Nina) vem colecionando prêmios e uma série de elogios, inclusive no Festival de Sundance, onde foi exibido em janeiro.

Com roteiro do diretor e do escritor Marçal Aquino (O Invasor), o filme é centrado na vida do esquisito Lourenço (Selton Mello), que tem uma loja em São Paulo que compra e vende quinquilharias.

Ali, transitam pessoas estranhas, assim como o dono, tentando sempre vender algo: uma embalagem de cigarro com autógrafo de Steve McQueen, uma caneta, uma arma, um olho de vidro e antigüidades.

Todos esses indivíduos são uma desculpa para Lourenço satisfazer seu ego, exercendo seu poder momentâneo sobre elas. Ele tem prazer em explorar as pessoas, que geralmente estão passando por dificuldades financeiras.

Lourenço se contenta com seu jogo sádico, enquanto explica para cada um de seus clientes que o cheiro ruim que toma conta da loja é do ralo do banheiro no fundo de sua loja. Ao mesmo tempo, ele se apaixona por uma parte específica do corpo de uma garçonete (Paula Braun).

Lourenço é um personagem desagradável, interpretado com muita competência por Selton Mello, que nunca pede que se tenha maior simpatia por esse sujeito um tanto quanto bizarro. As pessoas que entram e saem de cena são ora dignas de repugnância, ora de piedade.

Alguns críticos defendem que representar o mal, em cinema, seria algo impossível. A câmera só realizaria bem o seu trabalho se aquilo que estivesse posto diante dela fosse algo conhecido e amado pelo diretor. De fato, representar o mal ou aquilo que se despreza é uma questão complicadíssima, mas reduzir o problema a uma espécie de vocação do cinema para o bem é uma idéia simplista e que só reforça tabus. A maior parte dos filmes que propõem encarar esse desafio, no entanto, não colaboram. As soluções fáceis são tentadoras demais.

O Cheiro do Ralo, por exemplo, se apresenta como o retrato de um cara "escroto". Esse ponto de partida pode até garantir ao filme o mérito da audácia e um diferencial em meio ao panorama inodoro do cinema brasileiro recente, mas não o exime de seus problemas.

A questão fundamental não é só retratar a escrotidão, mas como fazê-lo. Mil filmes poderiam ter sido feitos partir da obra de Lourenço Mutarelli, e o de Heitor Dhalia escolhe o caminho da pseudo-subversão.

Dhalia pode até ter sido corajoso no que tenta dizer, mas, na forma, assume uma posição um tanto medrosa. O humor, por exemplo, está mais para um cinismo vazio do que para uma ironia crítica, como num simulacro de um filme independente americano à moda de Tarantino. Assim, as características centrais da "escrotidão" do personagem principal -a detenção de um certo poder mesquinho e o abuso sádico desse poder - são esvaziadas de seu sentido crítico em nome de um jogo de sedução do espectador.
Há ainda outros aspectos formais que comprometem o filme. Se Dhalia demonstra talento para a composição do quadro, falha no ritmo, ao investir tempo e energia em situações repetitivas. E o pior, faz uma certa apologia ao escroto espírito capitalista que reina em nosso tempo.