18 abril 2007

Número 23



Nota: 5


Uma piada recorrente entre jornalistas que utilizam estatísticas em seus textos diz que os números, quando bem torturados, dizem qualquer coisa. Premissa equivalente é o ponto de partida do thriller neo-noir O Número 23.

Jim Carrey deixa de lado as comédias histriônicas que o tornaram famoso (como Eu, Eu Mesmo e Irene, de 2000) e os papéis dramáticos elogiados (como Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e o O Show de Truman) para mergulhar no terror Número 23.

Dirigido por Joel Schumacher (de O Fantasma da Ópera), o filme se apóia na crença de que o número 23 traz maus presságios. Uma idéia cujos defensores citam o "I Ching" (número 23), a "Bíblia" (Salmo 23) e até o escritor William S. Burroughs (que teria contado histórias obscuras em que o número está presente).

Escrita pelo novato Fernley Phillips, um dos admiradores confessos desse delírio numérico, a trama mostra a vida de Walter Sparrow (Carrey), cuja obsessão por um misterioso livro (chamado também o Número 23) torna-se perigosa.

Ele passa a acreditar que é o protagonista da publicação (um detetive grosseiro), já que possuem as mesmas recordações de infância. Como o personagem é um assassino, Sparrow passa a ser uma ameaça para todos que o cercam.

Para prazer dos espectadores numerólogos, os créditos de abertura vêm recheados de referências a acontecimentos históricos, como as datas de nascimento e de morte de Shakespeare (23 de abril) e o 11 de Setembro (11+9+2+0+0+1=23).
Outros tantos abundarão ao longo da história.

O problema desse tipo de jogo, porém, é o mesmo com que se depara o filme de Joel Schumacher: que fazer com tantos possíveis significados?
Refém de um suposto código determinista, o pacato Walter Sparrow (Jim Carrey, em versão sorumbática) tem sua vida virada ao avesso a partir do encontro com um cachorrão que escapa de seu controle e o faz atrasar um encontro. O efeito dramático seguinte o levará a descobrir, largado na estante de uma livraria, um volume intitulado o Número 23.

Numa situação semelhante a Mais Estranho que a Ficção, o personagem passa a ter seu destino guiado pela história narrada no tal livro, lotado de associações com o Número 23.

Como se não bastasse desenvolver um enigma estimulante o suficiente para fazer divertir e amedrontar com a deriva em que lança o personagem, o roteiro inventa uma duplicidade, transformando Sparrow numa versão pós-modernosa de detetive, com direito a "femme fatales" e outros clichês do gênero.

Mas, quando entra na contramão de suas referências, Número 23 perde o interesse. Enquanto o noir se abastecia do acúmulo de pistas falsas, de mutações radicais na moral dos personagens e em deixar insolúveis as investigações de onde partia, dissipadas por muitas outras que surgiam no caminho, Número 23 avança até o limite do enigma para em seguida entregar ao espectador sua solução em minúcias, recorrendo à fórmula da reviravolta abrupta que explica tudo.

A impressão é que pagamos para entrar num trem fantasma e fomos parar num inofensivo carrossel.

E veja só você... a frase "ESTE SUSPENSE É MUITO TOSCO" tem 23 letras (achou a piada forçada? Então espere só pra ver do que o Número 23 é capaz).