23 fevereiro 2007

A Scanner Darkly



Nota: 7,5

A extensa obra do escritor Philip K. Dick (1928-1982) gerou adaptações memoráveis no cinema, como Blade Runner - O Caçador de Andróides, e outras nem tanto, como O Pagamento e Minority Report. O Homem Duplo, versão para as telas do romance A Scanner Darkly, fica no meio do caminho. Não tem o potencial pop cult dos replicantes de Ridley Scott, mas encontra-se bem acima da média, passando longe da calculada ação hollywoodiana dos filmes de John Woo ou Spielberg.

O responsável pelo longa é o versátil Richard Linklater (Escola de Rock, Antes do Pôr-do-Sol), que optou em desenvolvê-lo com técnica semelhante - menos alucinada, porém - ao aclamado Waking Life: a rotoscopia digital, animação que "pinta" os atores e cenários reais, incluindo novas cores e texturas na película.

A estilosa técnica funciona tão bem quanto no seu antecessor. Se no primeiro o foco era no existencialismo, aqui está nas drogas. Philip K. Dick combateu os demônios da dependência de drogas durante toda sua vida criativa, e o trabalho sobre o qual se baseia o filme, A Scanner Darkly, é um de seus livros mais vendidos. Ambientado no futuro próximo, como é de costume no autor, a história gira em torno da luta institucional contra a dependência de drogas.

A história baseia-se nas experiências pessoais de K. Dick e seus amigos (aos quais a obra é dedicada) com entorpecentes. Na trama, sete anos no futuro, um policial sob profundo disfarce, Fred (Keanu Reeves), recebe a missão de espionar seu próprio alter-ego, o traficante Bob. Porém, com o consumo crescente da letal Substância D, a personalidade de Fred (ou seria Bob?) começa a dividir-se. A paranóia cresce, afetando também seus amigos viciados: Jim Barris (Robert Downey Jr.), Ernie Luckman (Woody Harrelson) e Donna Hawthorne (Wynona Ryder).

Apesar de alguns dos elementos do filme não existirem - como a roupa-camaleão que torna o policial Fred impossível de ser identificado no departamento de polícia -, a história é bastante ancorada na realidade dos usuários de drogas, algo que a opção pela rotoscopia potencializa, dando à trama contornos oníricos. O amor do autor pelos personagens também é óbvio (os diálogos entre os protagonistas são de uma inocência cativante) e Linklater, excelente diretor de atores, o manteve intacto com a ajuda do ótimo elenco.

Ao final, fica a certeza de que, além de um ensaio sobre excessos, K. Dick buscou com A Scanner Darkly uma certa redenção, uma dolorosa tentativa de curar feridas e de rever amigos ausentes. Linklater entende isso e honra tal desejo com um filme digno do autor visionário.