23 fevereiro 2007

À Procura da Felicidade



Nota: 2

Está em alta o prestígio do cineasta italiano Gabriele Muccino em Hollywood. Seu O Último Beijo (2001) foi refilmado em 2006 pelo ator e diretor Tony Goldwyn (Ghost), com roteiro de Paul Haggis (Crash, A Conquista da Honra), elenco liderado por Zach Braff (Hora de Voltar) e resultado apenas discreto.

Já a estréia de Muccino nos EUA, em À Procura da Felicidade, lhe confiou um dos mais populares astros do país no momento, Will Smith, em projeto familiar no qual aparece também o filho do ator, Jaden Smith, e que superou US$ 150 milhões em bilheteria.

O que faz um italiano no meio disso tudo? Em primeiro lugar, aparenta compreender como funcionam os veículos hollywoodianos para gente com o poder de atrair multidões. O filme é um tapete vermelho para o solo de Smith, que obteve pelo papel sua segunda indicação ao Oscar (a primeira foi por Ali).

O protagonista, pai de família que sonha enriquecer com um aparelho de uso médico patenteado por ele, vai parar quase na sarjeta em companhia do filho. Para reforçar o sentimentalismo, o carimbo de "história verídica": o roteiro de Steve Conrad (O Homem do Tempo) se baseia no best-seller autobiográfico de Chris Gardner, hoje um milionário do mercado financeiro.

Só desgraça! Um cara falido, sem dinheiro, que milagrosamente consegue a vaga de estágio mesmo indo fazer a entrevista com os sócios da empresa direto da cadeia, onde ficou preso por não ter pago multas do carro que nem tinha mais. E com o estágio garantido as coisas começam a se acertar? Que nada! O trabalho não é remunerado. Os seis meses de curso serão eternos, com o pouco de dinheiro que havia sobrado se esvaindo mais rápido que brigadeiro em festa de criança. Sem condições de pagar aluguel, Chris e seu filho passam a viver na rua, dormindo um dia no metrô, outro nos abrigos para sem-teto. A vida não era fácil, mas usando a sua inteligência, o bom humor e a capacidade de lidar com as pessoas Chris vai sobrevivendo e mantendo saudável a sua relação com o filho.

É difícil acreditar no que se vê na tela e a verdade é que a história não foi bem assim. Chris Gardner e seu filho passaram noites no metrô e dormiram muito no abrigo para sem-teto, mas foi para economizar os mil dólares que ele ganhava no estágio. O roteirista Steven Conrad dramatiza o que já era duro. "Carrega na tinta", como se diz no jargão jornalístico. Tudo em nome do "sonho americano", da vontade de mostrar que qualquer um consegue enriquecer na "Terra da Liberdade". O fato do Chris trair sua primeira esposa e ser acusado de bater na segunda também não é citado. O que resta é só o paizão perfeito, que não mede esforços para proteger sua cria.

Eis, portanto, história manjada de ressurreição que se sustenta em valores-chave do individualismo americano, habilidosamente traduzidos, em forma de empreendedorismo, pelo manancial da literatura de auto-ajuda -com a qual o filme, não por acaso, se confunde.

Perdedores são aqueles que desistem, diria o personagem de Greg Kinnear em Pequena Miss Sunshine. Pois Chris (Smith) não desiste jamais, ainda que a mulher (Thandie Newton, de Assédio e Crash) jogue cedo a toalha, e que haja uma criança a sustentar e a educar no meio do caos.

Esses elementos recorrentes no cinema norte-americano se inserem em cenário um pouco mais raro de ver -e a ênfase dada a ele talvez se relacione à pitada de "realismo" de Muccino. São bicudos os tempos em que se passa a provação do personagem, os EUA da era Reagan, com recessão econômica e elevados índices de desemprego.

Não é Chris o único responsável pela situação que vive, assim como as centenas de marmanjos que disputam com ele e o filho, em pico sentimental do filme, um lugar para dormir em um albergue de São Francisco.

E, ainda que ele seja um obstinado, está bem claro que o acaso lhe dá empurrões -e que a graça, como se sabe, não tem como beneficiar a todos.

Estado falido e indiferente, cidadãos lançados à própria sorte: essas coordenadas tornam "À Procura da Felicidade" um drama engrandecedor cujo protagonista, no fundo, é o dinheiro, o que explica por que tanta gente se identifica com a dificuldade de Chris em ter algo na carteira além de esperança.