23 fevereiro 2007

O Violino



Nota: 8,5

Se existe associação para controlar quantidade de palavrão em um filme, bem que poderia ter outra para fiscalizar o violino. Sabe naqueles épicos de guerra, quando a criança loira sobrevivente descobre uma boneca sem cabeça no meio dos escombros? Então: a associação, com atenção redobrada na trilha sonora, impediria o violino de subir nessa hora.

O roteirista e diretor mexicano Francisco Vargas, em seu primeiro longa-metragem, tem uma desculpa: o instrumento é o centro da história de O Violino (El Violin, 2006). Se for para tocar, que seja na cena, de fato. Pelo menos não é música incidental.

A história segue pai, avô e neto no interior do México, região paupérrima, agrária, onde os miseráveis para sobreviver às precárias condições impostas pelo Estado e as pressões do exército (que mata centenas por mês), montaram milícias populares. Com a guerrilha armada, os mexicanos tentam sobreviver em um país que se vende ao capital estrangeiro. Sem recorrer à política, à partidos, à super-homens, o diretor soube ser simples, e contestar o estabelecido. Ele conseguiu nos passar um outro olhar dos zapatistas, sem precisa falar que eles existem. Enquanto o seu filho planeja ações com outros rebelados, Don Plutarco (Don Angel Tavira), o patriarca, faz companhia ao neto pequeno com o seu violino. Don Plutarco não tem uma das mãos; para tocar, ele amarra o arco ao pulso. Jamais sabemos como foi que ele se mutilou - mas o silêncio do velho diante da militância campesina do filho pode ser um indício.

O filme todo se concentra na tentativa, da guerrilha, de retomar a sua aldeia, ocupada pelos militares. Preocupado com a sua plantação de milho, Don Plutarco faz que não ouve os avisos - e segue no lombo de uma mula, com o violino às costas, para ver se os militares o deixam passar, só para checar a lavoura. Lá, um capitão (Dagoberto Gama, de Amores Brutos e Era uma vez no México) se interessa pelo instrumento. Tenta tocar, não consegue. Mas convence Don Plutarco a lhe mostrar sua música.

Instala-se em O Violino a relação clássica de arte versus barbárie. Por trás da carcaça impiedosa o capitão tem uma alma capaz de admirar a música de Don Plutarco. Graças a ela, o velho tem passagem garantida diariamente pelo bloqueio armado. Quando periga, Vargas não deixa seus personagens se banalizarem - o músico não é tão inocente nem o militar é tão condescendente. A música os une, mas não deixa de ser uma relação conflituosa de opressor e oprimido.

Vencedor de cinco prêmios no Festival de Gramado no ano passado - melhor filme latino-americano, melhor filme latino pelo júri popular, prêmio da crítica, ator (Tavira) e roteiro - O Violino tem como grande qualidade a crueza. A fotografia em preto-e-branco e o enfoque anti-paternalista (os personagens são perseguidos, mas não são tratados como coitados) ajudam a separá-lo da grande massa de filmes-denúncias, com viés de esquerda, que se multiplicam no cinema da América Latina.

Curiosamente, o momento mais lamurioso é aquele em que silencia-se o som ambiente e a câmera enfoca os rostos de cada um dos desalojados. Para intensificar o drama, soa o violino, vazado de uma cena anterior com Don Plutarco, mas que se transforma em música incidental por alguns segundos. A melosa tentação das facilidades musicais é grande, como se vê.