23 fevereiro 2007

Apocalypto



Nota: 4

Eis mais um polêmico filme do atormentado diretor Mel Gibson. Obcecado por sangue e momentos finais, seja da humanidade (Mad Max) ou de Jesus (A Paixão de Cristo), em Apocalypto ele mostra sua versão dos estertores do império maia. O filme se passa entre o final do século 15 e o início do 16, quando os espanhóis chegam para implantar a nova ordem mundial.

Obsessão é a palavra que mais passa pela cabeça de quem assiste aos 124 minutos de Apocalypto. Torturas indizíveis, sacrifícios humanos e a plebe (maia) em êxtase: eis a base de um filme que, como o próprio Gibson admite, nem precisaria de legendas. Afinal, qualquer criança entende a lei do mais forte, ainda mais quando ele também é tirânico e sádico. Mas, por favor, deixe as crianças longe disso.

Se em A Paixão de Cristo o diretor se defendeu das pesadas críticas -especialmente de judeus - dizendo que havia transposto para a tela uma leitura fidelíssima dos momentos finais de Jesus, segundo a Bíblia, dessa vez não há argumentos que justifiquem qualquer veracidade da obra.

Sim, parece provocação grosseira quando um sacerdote maia, mãos encharcadas de sangue após retirar dois ou três corações de semelhantes vivos, se dirije à multidão histérica, aos berros: "Nós somos o povo escolhido!". À falta de provas históricas desta "auto-eleição" maia, impossível não pensar que, de novo, o "anti-semita" Gibson está cutucando seus desafetos.

Logo após mostrar a sua visão para as últimas horas da vida de Jesus Cristo, Gibson já procurava um novo projeto. Seu objetivo era fazer um filme de perseguição. Conseguiu e com louvor. Apocalypto é correria ininterrupta. Maratona para queniano nenhum botar defeito.

Logo na primeira cena já somos levados para uma caçada pela floresta. Com a presa devidamente capturada, vem o descanso, um respiro para apresentar os personagens (sempre em yucateco, a língua local) e dar algumas risadas. Pata de Jaguar é um dos caçadores. Filho do líder da vila, ele fica atormentado com a visão de outros indígenas que tiveram sua tribo devastada e agora procuram um novo começo em outro lugar. O medo no olhar das pessoas é transferido para ele e se transforma em realidade quando guerreiros maias invadem o local onde mora atrás de escravas e prisioneiros. A destruição é generalizada e o sangue jorra sem miséria. Antes de ser capturado, Pata de Jaguar consegue proteger sua esposa, grávida, e filho. Serão eles que lhe darão forças para superar o medo e seus ferozes caçadores no longo caminho de volta para casa.

Durante as pesquisas sobre o povo maia, Gibson descobriu alguns possíveis motivos que causaram a queda do império que dominou a região da América Central e se estendia do México a El Salvador. O consumismo, a devastação do meio-ambiente e a ganância por poder estão entre eles. Para construir prédios cada vez maiores, hectares de florestas eram derrubados. Sem as árvores, a lama corria para o pântano, diminuindo a qualidade do solo e gerando piores colheitas. Os reis, que acreditava-se ter um contato direto com os deuses, faziam oferendas, utilizando até mesmo humanos. E para manter sua mordomia, tributavam mais da população, que por sua vez ia se irritando mais e mais.

Este aspecto sócio-político fica nas entrelinhas. É a forma encontrada por Gibson para alertar sobre o risco que corremos. Segundo ele, se a sociedade atual não se cuidar, pode ter fim semelhante aos dos seus antepassados. Mas a verdade é que no meio de tanta correria pela selva, corações pulsantes sendo arrancados dos corpos e cabeças literalmente rolando, a mensagem passa batida por quem não tiver em mente criticas como as acima.