08 fevereiro 2006

O Sol de Cada Manhã



Nota: 8

No Brasil, a profissão de homem ou mulher do tempo é reservada para rostos bonitos em busca de uma vitrine, um trampolim em suas carreiras. Afinal, quase ninguém leva o assunto a sério por aqui. Na verdade, não são poucas as vezes em que se ouve brincadeiras como "vi na TV que vai fazer sol, por isso trouxe meu guarda-chuva". Mas nos Estados Unidos e Europa, o tema é encarado com seriedade e, por incrível que pareça, eles geralmente acertam as previsões.

É isso que faz de David Spritz (Nicolas Cage) um cara tão conhecido em Chicago. Ele é o homem do tempo de um canal de TV local e faz parte do seu cotidiano ser abordado na rua com perguntas do tipo "qual a previsão para hoje?" ou "qual será o dia mais frio desta semana?". O detalhe que seus telespectadores não entendem é que apesar do sorriso quilométrico exibido na telinha, ele não está satisfeito com o seu trabalho. Aliás, ele não está satisfeito com a sua vida e este é o tema central de O Sol de Cada Manhã (The weather Man, 2005).

Sondado por uma grande rede de TV sediada em Nova York, David passa seus dias lamentando as chances perdidas. Ele falhou como marido e hoje tem que aturar um gordinho almofadinha ao lado da sua ex-esposa (Hope Davis). Deixou a desejar também com seus dois filhos. O mais velho (Nicholas Hoult, de Um Grande Garoto) foi pego com maconha e agora passa parte do seu tempo livre em um programa de reabilitação. A menina (Gemmenne de la Peña, "filha" de Julia Roberts em Erin Brockovich) está claramente acima do seu peso e sofre de depressão.

David também não se sente nem um pouco à vontade ao lado de seu pai (Michael Caine), famoso escritor ganhador de um prêmio Pulitzer, mas é o velho quem vai guiá-lo neste delicado momento de sua vida. Caine interpreta Robert de uma forma bastante serena, dizendo suas frases em um baixo tom que torna seu personagem numa espécie de sábio. Já Cage consegue como poucos construir em menos de duas horas um personagem com quem você poderia realmente esbarrar na rua, alguém que sofre com os diferentes humores normais na vida real. Indo do carente e atencioso ao nervoso em poucos segundos.

Cabem também méritos ao roteirista Steven Conrad e, claro, ao diretor Gore Verbinski. Além de falas - ou pensamentos, já que o filme tem bastante narrações vindo direto da cabeça de David - afiadas como os frios ventos que cortam Chicago, o roteiro contém uma sutil crítica à cultura americana, que tanto presa a força bélica, quanto o consumismo, a gana de fazer muito dinheiro, mesmo que isso custe a sua felicidade.

Este filme, aliás, é uma interessante aposta do trio Verbinski-Cage-Caine, que vêm de blockbusters do naipe de Piratas do Caribe, A Lenda do Tesouro Perdido e Batman Begins, respectivamente. Uma pausa obrigatória para recarregar as baterias com um filme pequeno e inteligente antes de voltar a ganhar dinheiro com mais blockbusters - ou neste caso, seqüências, já que os três filmes acima ganharão novos capítulos em breve. Como diz David no começo do filme: "revigorante".