O Assassinato de Richard Nixon
Nota: 9,5
Quem poderia imaginar que um ator que era conhecido como o marido nervosinho de Madonna se tornaria um dos maiores intérpretes dos Estados Unidos. Sim, Sean Penn é um verdadeiro diamante raro que é lapidado a cada novo personagem que encara na telona. Seu mais novo trabalho é O Assassinato de Richard Nixon (The Assassination of Richard Nixon, 2004) um filmaço que promete chegar à lista dos melhores no final do ano.
A trama é baseada na história verdadeira de Samuel Bickie (o sobrenome foi mudado para resguardar a família) que tinha como objetivo seqüestrar um avião para atirá-lo contra a Casa Branca. Bickie é um vendedor que detesta mentir. Ele acredita que o consumidor não pode ser enganado, e que tudo deve ser dito. Uma incoerência por si só, para quem segue essa profissão. Essa atitude o leva a ser despedido da loja de pneus de seu irmão. Ele também está perto de perder seu trabalho numa loja de venda de móveis. Um certo dia, seu chefe, Jack Jones, comenta que o maior vendedor do planeta é o presidente norte-americano Richard Nixon, que nas duas vezes que se elegeu presidente, fez a mesma promessa: acabar com a guerra do Vietnam. Além de continuar o confronto, ainda mandou mais 100 mil soldados para as selvas asiáticas.
Bickie tem um sonho de ter o seu próprio negócio. Uma maneira de tratar o consumidor com respeito. Ele tenta um empréstimo no banco para tocar uma idéia esdrúxula de uma loja de pneus dentro de um ônibus. A loja iria até ao consumidor. Seu parceiro na empreitada é Bonny Simmons, um negro que tem uma mecânica de automóveis. Ele acaba não conseguindo o empréstimo por causa da raça do seu sócio. Para completar a desgraça, Bickie está separado de sua mulher e filhos. Ela trabalha num bar usando um vestidinho curto por exigência da gerência. Isso incomoda bastante Bickie. Mas o pior, é que Marie está saindo com outro homem. Uma pessoa bem mais abastada financeiramente que ele.
A vida de Bickie afunda cada vez mais. A todo instante que ele está vendo televisão, em completo estado de depressão, surge Nixon falando sobre a guerra e se explicando sobre os escândalos do seu governo. Nessa época, o presidente aparecia muito na TV, por causa do escândalo Watergate. Bickie conclui que a única maneira de mostrar ao país que tudo está errado, é matando o maior mentiroso da nação. No caso, Nixon.
Ele começa a planejar o assassinato. Suas idéias e o plano nos são apresentadas numa série de fitas que Bickie grava com intento de enviá-las para o músico Leonard Bernstein. Isso acaba servindo como uma espécie de narração do que estava acontecendo dentro de Bickie. Ele queria provar que até um perdedor como ele, poderia fazer a diferença. De um completo zé ninguém, que entraria para a história como alguém que tirou a vida do homem mais influente do mundo Mas até nisso, ele acaba falhando e se torna uma referência de pé de página nos casos de assassinatos da história norte-americana. Uma vez perdedor, sempre um perdedor.
E conseguirmos acreditar em tudo isso, por causa da performance fantástica de Sean Penn. Ele constrói todas as nuances do personagem. A cada novo soco que Bickie recebe, Penn vai se transfigurando. O crescimento da loucura do protagonista vai sendo demonstrado com mínimos detalhes, por meio dos vários recursos técnicos que Penn leva na manga. Sua postura e modo de andar - com os ombros caídos e o peito encolhido - durante toda a projeção impressionam.
O resto do elenco não está menos formidável. Jack Thompson, como Jack Jones, também é de tirar o fôlego. Vê-lo em cena com Penn é uma obrigação para quem almeja algum dia seguir a carreira de ator. Don Cheadle interpreta Bonny Simmons também de forma magnífica. Sua atuação é baseada no naturalismo. A única que não desenvolve seu trabalho da maneira que poderia é a talentosa Naomi Watts no papel de Marie, esposa de Bickie. Mas isso não quer dizer, que esteja ruim, só é engolida por Penn em todas as cenas em que aparecem juntos. Bem diferente de 21 Gramas, trabalho anterior da dupla. Michael Wincott completa o grupo. Ele está ótimo e irreconhecível na pele do irmão judeu de Bickie.
Mas o destaque não está só nas interpretações. O diretor Niels Mueller faz sua estréia de maneira arrebatadora. Ele não cai na armadilha de tentar fazer uma fita contemporânea passada nos anos 70. Ao focar Penn em toda a projeção ficamos com a impressão de estarmos assistindo a um filme realmente produzido nos anos 70. Podemos notar uma influência de Um Dia de Cão (1975), de Sidney Lumet, A Conversação (1974), de Francis Ford Coppola, ou mesmo Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, nas tomadas lentas e na própria cadência do ritmo.
Uma outra característica de Mueller é não tentar glorificar as ações de seu protagonista, nem forçar uma empatia com seu ato terrorista. Ao acompanharmos todos os estágios de sua depressão, ele acaba se tornado real. Por nenhum instante conseguimos condenar seus atos. Bickie pode até ser comparado ao personagem Willie Loman da A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller. O cansado trabalhador que se torna impotente e invisível diante da máquina do progresso. Ambos são vendedores, ofuscados por um irmão bem sucedido e planejam seu próprio destino. Com uma pequena diferença. Pelo menos Loman conseguiu atingir o seu quando acertou seu carro numa árvore. Bickie manteve a sua incompetência até o último momento. A câmera de Mueller vai se tornando instável no mesmo momento e proporção que a atuação de Penn.
O roteiro foi escrito em 1999 por Mueller. No primeiro rascunho era uma ficção sobre um homem perdido, em que seu ato de violência passa despercebido numa sociedade cada vez mais acostumada a agressão. Durante sua pesquisa, ele encontrou a história de Bickie e notou a semelhança no argumento. Optou em contar a história da tentativa de assassinato. Tanto que nas últimas cenas ele usa as notícias da época e relatos do FBI para demonstrar o verdadeiro ataque aéreo. Os telejornais que aparecem no final, são os próprios que foram levados ao ar sobre o ocorrido. O trabalho de edição é tão perfeito que parece ter sido feito para concluir o filme.
Ao término da sessão é impossível não refletir sobre as intenções de Mueller. Ele nos apresenta uma perversão do sonho americano. Bickie acreditava que seus problemas acabariam se ganhasse muito dinheiro. Desta forma, ele conseguiria recuperar sua família e seu auto-respeito. Muitas pessoas também pensam assim e isso faz parte do "sonho americano". Ao se sentir incapaz de conseguir riquezas, Bickie resolve deixar sua marca na sociedade de maneira abominável. Ele tinha certeza que essa era a única maneira de acabar com a corrupção da América. E foi com essa mesma visão totalitária que os seqüestradores realizaram os ataques de 11 setembro em 2001. Infelizmente, esse tipo de ação está longe de acabar. Pois a semelhança que o governo Bush vem tendo com o de Nixon, resultará no surgimento de muitos "Sam Bickie" pelo mundo.
O interessante é que esse filme e mais dois que estreiaram na mesma época (Paradise Now e As Aventuras de Dick & Jane) apesar de serem tão distintos e com histórias tão diferentes, se completam. O discurso do rico engolindo o pobre, da terra da prosperidade, da abundância, da alienação, da exploração, da loucura, estão presentes nos 3 filmes. No primeiro um homem enlouquece por ter sido jogado à margem da sociedade, no segundo, dois palestinos entre a cruz e a espada, por terem vivido a vida toda à margem dos colonos ricos e exploradores, no terceiro, um casal resolve roubar, pois foram jogados à margem do mercado de trabalho. As estréias foram quase que simultâneas aqui no Brasil, o que nos faz pensar: será que o cinema está começando a criticar mais, a questionar esse mundo de aparências e mentiras onde vivemos? Será que o papel subversivo do cinema, finalmente vai começar a ser mais explorado? É o que espero. Longa vida ao cinema crítico e questionador desse grande teatro da vida que vivemos, nessa nossa representação diária.
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