Impulsidade
Nota: 8,5
Cena: personagem magro de moletom caminha em câmera lenta no meio de uma multidão como se estivesse sozinho; sente que não pertence àquele lugar, que não pertence a lugar algum, comoção anestésica reforçada pela bela canção melancólica de uma banda que toca na trilha e que pouca gente conhece.
A descrição acima cabe perfeitamente em qualquer filme independente feito nos EUA na última década e meia, a década de Sundance, festival que transformou losers e marginalizados em, se não heróis, ao menos protagonistas. Basta nomear. O personagem: o adolescente Justin Cobb, de dezessete anos. A multidão: o corredor do colégio. A trilha: canções especialmente compostas por Tim DeLaughter, do Polyphonic Spree. O filme: Impulsividade, ou melhor dizendo, já que o título original é inigualável, Thumbsucker, Chupa-dedão.
A história de formação de caráter, de passagem da adolescência à vida adulta, que não atende só a produções indies como a muitas narrativas modernas, é o motor do filme de estréia de Mike Mills, até então conhecido por dirigir vídeos musicais de Moby, Pulp e Air. Clipes são a especialidade de Mills, e o clichê câmera lenta/trilha sonora nasceu nesse meio. O caso é saber se o diretor tem algo a dizer além dos floreios de estilo. Como a base da história é o livro homônimo de Walter Kirn, ele encontra algo, sim, que vale a pena narrar.
A grande força por trás do texto de Kirn é o fato dele inserir a formação do caráter em um microcosmos muito bem definido: a sociedade materialista dos EUA. É nesse ambiente em que todos precisam de um vício para sobreviver - vício em remédios, vício em ilícitos, vício em causas nobres, vício em sucesso, vício em competição - que o frágil Justin (Lou Taylor Pucci) tenta encontrar o seu, mas um vício que a sociedade legitime. Porque ser viciado em chupar o dedo não é um vício digno, é uma anomalia, uma sem-vergonhice.
Até mesmo os vícios de seus pais são legítimos. Mike (Vincent D'Onofrio) é adicto em sonhos interrompidos - fraturou o joelho, teve que largar a carreira juvenil esportiva, hoje é só uma sombra ressentida. Audrey (Tilda Swinton) tem sua coleção de sonhos irrealizáveis - sua ambição atual é virar enfermeira da clínica de reabilitação para onde foi encaminhado um astro da TV. Nenhum dos dois é julgado ou punido por isso. Tanto que fazem questão que o filho Justin não os chame de pai e mãe, mas de Mike e Audrey, como se isso adiasse a autocrítica, a chegada da maturidade, da velhice, desculpasse os vícios ao infinito, enfim, suspendesse a responsabilidade de rever a vida antes de morrer.
Justin pena para livrar-se de seu vício anormal. Essa coisa de chupar o dedo escondido precisa parar. A mania tem raízes evidentes em algum trauma psicológico, dizem. A ação, filosofa o dentista de Justin, Perry (Keanu Reeves), remete ao ato da amamentação. O seio materno, esse ninho quente que protege do mundo, seria a resposta às dificuldades que a vida impõe. Medo do fracasso? Medo de garotas? Nem Justin sabe direito a razão, mas o fato é que só cessará de chupar o dedo quando encontrar outro vício para substituí-lo. Impulsividade fala, basicamente, dessa substituição, e de como ela pode ou não preencher o espírito errante das pessoas.
Falando assim, parece uma aula profundíssima sobre a psique humana (e de certo modo é), mas o diretor Mills espertamente quebra a sisudez com humor. Não pode ser nada além de uma gozação a decisão de escalar Keanu Reeves para o papel do guru e Vince Vaughn (Penetras Bons de Bico) para o lugar do professor do colégio. A boa notícia é que os alívios cômicos não sabotam a parte séria da narrativa. Isso acontece, em especial, pelas atuações compenetradas da tríade de protagonistas.
D'Onofrio (atualmente conhecido pela telessérie Law & Order) e Tilda Swinton (A Feiticeira Branca de Narnia) são sempre ótimos, mas o destaque mesmo é Lou Taylor Pucci. Como Mike Mills, o ator é estreante na prática (ele já havia feito uma ponta discreta em O Tempo de Cada Um). É enorme a versatilidade de Pucci para viver ora um Justin chupador de dedão, inseguro, ora um Justin campeão, superior, novamente um Justin em dúvida, em seguida um Justin redimido. O plano que fecha o filme, novamente o chavão da câmera lenta/trilha sonora, não chega a incomodar, porque é Pucci quem está lá. Esta história de formação não seria a mesma sem ele.
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