As Loucuras de Dick & Jane
Nota: 7
Clyde Barrow arrastou Bonnie Parker para o mundo do crime porque a vida na Grande Depressão não estava fácil pra ninguém. No ano 2000, quando a übertransnacional em que Dick Harper trabalha vai à falência por fraudes contábeis, assim, de repente, só lhe resta pegar sua esposa pela mão e também se aventurar pela bandidagem.
O contexto econômico de 1930 era um dos protagonistas do clássico Uma Rajada de Balas (Bonnie & Clyde, 1967). De igual maneira, o cenário de quebradeira que marca o início do governo Bush é o catalisador d'As Loucuras de Dick e Jane (Fun With Dick and Jane, 2005), do diretor Dean Parisot (telessérie Monk). Não é preciso aguardar os irônicos créditos finais, que "agradecem" às finadas Enron e WorldCom, para perceber que as corporações e o presidente da nação que as legitima são o alvo da comédia.
Não foi assim no Fun With Dick and Jane original, de 1977, estrelado por George Segal e Jane Fonda, que agora Parisot refilma. Na verdade, o primeiro era bem alienado. Nada de assaltos com máscaras de ex-presidentes, naquela época. O Dick de Segal precisava roubar porque a Jane de Fonda gastava demais o que os dois não tinham. Hoje, Dick e Jane surgem mais como seres conscientes e menos como consumistas (mais isso ainda existe no novo filme, afinal, são norte-americanos, e não podemos esperar uma crítica contundente demais ao seu modo de vida). Novos tempos conturbados pedem atitude.
Ainda mais quando a sua casa, sua poupança, enfim, sua vida, estavam forrados de ações da empresa que foi à bancarrota. O então executivo promissor Dick (Jim Carrey) perde absolutamente tudo quando a Globodyne fecha as portas. A primeira reação é buscar um emprego equivalente, mas o mercado não ajuda. Até quando se mete no meio dos mexicanos para arriscar um trampo temporário Dick acaba confundido com um imigrante. Enquanto isso, a grama do vizinho cresce bonita. Até pegar a pistola de brinquedo do filho e partir para os assaltos, é um passo. Dick encara a coisa mais como revolta do que como desespero. Jane (Téa Leoni) vai atrás.
Carrey até que está contido no papel principal. Sabe se esborrachar na hora certa, sem exageros. As caretas continuam lá, mas o ator está menos cartunesco. Não parece a mesma pessoa, por exemplo, de Desventuras em Série (2004), seu trabalho anterior. Acompanha-lhe, com menos vocação para a comédia rasgada, a Sra. Duchovny. A sorte de Téa Leoni, e de ambos, é que o material escrito é dos melhores. O roteirista Judd Apatow mostrou em O Virgem de 40 Anos que sabe encadear gags. Não é tão bom desenvolvendo tramas, mas basta um diretor que tenha senso de timing para as piadas de Apatow ganharem vida plena.
Os dois primeiros terços do filme são um exemplo dessa conjunção bastante feliz entre texto, ritmo e imagem. Em tempos de recessão, filas de candidatos a empregos parecem uma multidão de Agentes Smiths clonados - e a maneira como Parisot filma a cena nos remete rapidamente a Matrix. Outros comentários inteligentes aparecem de forma discreta, seja na TV quando Bush discursa a favor das corporações, seja num assalto em que os dois chegam fantasiados de Clinton e Hillary. Essa porção ágil, muito bem editada de filme termina com o ápice da empreitada do casal no crime. Daí tudo muda.
A partir do momento em que Dick é amargamente relembrado da falência da Globodyne, a impressão é que começa um filme diferente. Nada contra a virada, ela já estava implícita lá no começo. O problema é que os realizadores não se encontram nessa nova proposta, espécie de thriller pastelão. Não cabe aqui revelar os pormenores. Só vale dizer que o timing se dilui, as cenas se estendem demais, Carrey cansa, os personagens se perdem, a câmera de Parisot termina indecisa.
Ainda há ótimas piadas a seguir - como aquela protagonizada por Alec Baldwin, no papel do canalha ex-presidente da Globodyne, que parodia a célebre declaração indignada de Bush, sobre terroristas, no meio de um jogo de golfe ("Isso me deixa muito irado... Agora veja essa tacada"). Lembra? É a frase que Michael Moore reproduziu em Fahrenheit 11 de Setembro.
É sempre ótimo ver gente com algo a dizer no meio do escapista mundo do consumo descartável, mas o fato é que As Loucuras de Dick e Jane não segura o tranco até o final. Não é, em resumo, um Bonnie & Clyde.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home