08 dezembro 2005

Querida Wendy



Nota: 9

Filmes narrados por um personagem têm a tendência de ser maniqueístas, pois são formas de conduzir o espectador à reação imaginada pelo diretor, sem deixar espaços para discussão ou reflexão. Nas mãos de um exímio realizador, porém, este recurso tende a provocar o inverso. Imaginem, então, o que faria o polêmico diretor Lars von Trier. No caso de Querida Wendy ele não dirige, mas assina história e roteiro. O filme está sendo vendido como anti-belicista. Será?

O jovem Dick, habitante da pequena cidade norte-americana de Estherslope e pacifista convicto, se fascina por uma pequena arma de fogo descoberta por acaso num bazar. Ele compra a pistola, à qual dá o nome de Wendy, e convence outros garotos a fundar um clube secreto baseado nos princípios do pacifismo e da posse de armas. Apesar da firme crença na mais importante regra do recém-formado clube - "Nunca saque sua pistola" -, seus membros logo se deparam com uma situação em que as regras recém-criadas parecem existir somente para não serem cumpridas.

Definir a produção como um manifesto contra as armas é uma maneira muito simplista e errônea. Trata-se, na verdade, de um filme de difícil classificação. Sua originalidade reside na forma como von Trier provoca confusão na mente do público. O cineasta faz dos seus joguetes de novo e leva o público a pensar e agir da mesma forma que seus personagens. Ele deixa claro que é muito fácil criticar o comportamento dos jovens pacifistas do filme, mas ao mesmo tempo torcemos por eles e aceitamos suas convicções, por mais idiotas que sejam.

Como em Dogville, Dear Wendy acontece numa cidade pequena, os protagonistas não representam as idéias de von Trier e a única diferença é que eles não estão tentando fazer parte do sistema, preferem ser os parias, ou melhor, os bandidos românticos que tanto fascinam o público. Os adultos e policiais são retratados de forma estereotipada - mais um sinal da costumeira manipulação empreendida por von Trier. Ao final da projeção, já a caminho de casa, é impossível não se sentir assustado com alguns sentimentos que podem surgir não se sabe de onde.

O elenco é comandado pelo ótimo Jamie Bell (Billy Elliot), que faz o papel de Dick, o líder do grupo de jovens fracassados que encontram em suas armas as companheiras perfeitas. Uma relação de amor, marcada por desejo, inveja e ciúme. Ele chama seu grupo de Dandis, a única maneira de se sentirem especiais. A arma é a aliada cotidiana, sempre na cintura (qualquer paralelo com a polícia não é mera coincidência) que os faz sentir maiores, mais fortes, destemidos. É uma crítica ao poder que uma arma proporciona a qualquer pessoa. O filme tem uma mensagem muito parecida, apesar de não terem relação alguma, com o francês O Ódio. Uma crítica às armas, ao poder que ela confere, ao uso e a utilidade da mesma.

A produção é dirigida pelo também dinamarquês Thomas Vinterberg (Festa de Família), colega do manifesto conhecido como "Dogma 95". Se von Trier tivesse dirigido, com certeza o filme seria construído de forma diferente, mas isso não impediu Vinterberg de colocar a sua assinatura de forma arrebatadora. Roteiro e direção se completam, formando um trabalho que deve ser usado como questionamento para a época em que vivemos.