Brothers
Nota: 7
O Dogma 95 deixou muita gente mal acostumada. Quando Festa de Família chegou ao Brasil, na metade de 1999, atribuiu-se o tom franco, forte e direto da história à secura formal do manifesto (trilha sonora proibida, câmera na mão, luz só ambiente, etc). Hoje, novos nomes do cinema dinamarquês, como Susanne Bier, provam que não é preciso ser um fundamentalista para contar uma história sem firulas.
Corações Livres (2002), o primeiro filme da diretora a chegar por aqui, era franco, forte e direto - e não tinha medo de recorrer ao cinema de gênero, à música incidental, aos efeitos visuais, enfim, esses elementos normalmente associadas a manipulação e que eram proibidos nas diretrizes do Dogma. Susanne reitera seu gosto pelo melodrama sem meias palavras em Brothers (Brødre, 2004).
Ulrich Thomsen (de Festa) e Nikolaj Lie Kaas (de Corações) interpretam os irmãos do título, Michael e Jannik. O primeiro é o mais velho, major do exército dinamarquês, pai carinhoso de duas filhas. O outro, problemático como todo bom caçula, acaba de sair da prisão. Michael foi buscar Jannik no término da pena. Age como todo irmão mais velho, protetor, um tanto propenso a aplicar lições. Jannik escuta quieto, mas não sempre.
A reunião acontece nos dias em que Michael se prepara para embarcar ao Afeganistão. Integrante das forças ocidentais de coalização, ele promete à sua bela esposa, Sarah (Connie Nielsen, dinamarquesa que fez nome em produções hollywoodianas como Retratos de uma Obsessão), voltar são e salvo. Não é difícil prever o que virá. Quando oficiais batem à porta de Sarah com a má notícia, Jannik desponta como ombro amigo.
"Que historinha mais manjada!", você pode legitimamente reclamar. "Só falta o cara voltar vivo da guerra e encontrar a mulher na cama com o irmão!", pode legitimamente especular. De fato, Brothers não é um primor de originalidade. Mas aí vem aquela coisa do tom franco, forte e direto. Susanne Bier mergulha na tristeza - quase um melodrama de telefilme - com tanta convicção e sem apelações que não é difícil comprar a idéia dela.
O segredo está no uso do som e na montagem. O violino entra para pontuar o drama, mas entra sempre na nota mais alta, mais aguda, e breve. Não chega a ser uma melodia, é mais como um grito interrompido. É com esse tipo de inserção lacônica, cirúrgica como uma agulhada, que Susanne trabalha. Os planos são curtos, mas não chegam a ser frenéticos. Capta-se um sentimento e é só, sem exagero nem reiteração. O efeito dramático desse tipo de cinema austero é grande. É como se a diretora fixasse a câmera diante dos rostos dos personagens, mas a retirasse antes que pudéssemos vê-los chorando.
Fórmulas à parte, Brothers é um filme bem decente até mais ou menos a metade da projeção, escorado nessa segurança técnica e nas boas atuações dos dois atores protagonistas. O conflito dos irmãos mais tarde se inflama, se inverte, com Michael colocado na posição traumatizante que antes era ocupada por Jannik, agora modelo de prosperidade. E é interessante observar como o confronto escancara as fraquezas do mais velho. O mais novo se segura, se mostra forte, introspecto, enquanto que o mais velho desaba, muda radicalmente, começa a maltratar as filhas e a mulher e ainda é preso no final.
O problema - e que não é um defeitinho, mas um rombo, um problemão - é que da metade ao fim o filme se perde. O que era uma história vira duas, o tom direto e seco se dilui em dilemas paralelos. Enquanto a parte intimista do filme trata de relacionamentos, a outra busca um humanismo meio grosseiro... Não convém explicar aqui, para preservar as surpresas. Interprete esta resenha crítica como o elogio dos primeiros sessenta, setenta minutos de Brothers. E mantenha em mente que Susanne Bier pode fazer melhor.
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