12 dezembro 2005

As Crônicas de Nárnia



Nota: 5

Embaladas pelo sucesso das cinesséries O Senhor dos Anéis e Harry Potter, a Walden Media e o Walt Disney Studios tiraram a poeira do clássico As Crônicas de Nárnia para transformá-lo em filme. Começaram pelo segundo livro - O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa - e investiram 150 milhões de dólares na superprodução. Parece um tiro certo, já que o gênero tem grande apelo, busca um público que até aqui não foi explorado e existem mais seis livros prontos para as continuações.

De fato, para quem leu As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, de C. S. Lewis, quando criança, o resultado de tal esforço, a adaptação cinematográfica do romance deve ser uma experiência maravilhosa.

Para tanto, o diretor Andrew Adamson (Shrek 2), que foi uma dessas crianças que cresceu mergulhada na fantasia de Lewis, não fez concessões: tratou o material original com reverência. Praticamente não há adaptações da história no longa-metragem. Diferente de O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien - amigo de Lewis -, no qual personagens foram cortados enquanto outros tiveram seu tempo de história ampliado, em Nárnia cada frame tem seu parágrafo equivalente em papel.

Outro ponto que deve agradar os entusiastas da série é o modo como as alegorias cristãs do livro (sacrifício, o perigo dos pecados, a força maior capaz de mudar o rumo das coisas, o ideal do arrependimento...) casam-se perfeitamente com o jeitão Disney de fazer cinema. De olho na larga parcela da população que considera Harry Potter uma má-influência para os jovens, a Casa do Mickey tratou de abraçar o teor épico-religioso de Nárnia. Para as canções de um CD especial do filme, por exemplo, foram chamados grandes nomes do gospel.

O primeiro filme de Nárnia conta as aventuras dos irmãos Lúcia (Georgie Henley), Edmundo (Skandar Keynes), Susana (Anna Popplewell) e Pedro (William Moseley), que são enviados pela mãe à segurança do interior da Inglaterra quando os bombardeios nazistas ameaçam Londres na Segunda Guerra Mundial. Ao chegarem em seu destino, os quatro descobrem, durante uma brincadeira de esconde-esconde, um portal mágico. Escondida dentro de um guarda-roupa, atrás dos casacos de pele, a passagem os leva direto ao mundo mágico de Nárnia. Mas o local esconde uma profecia: a de que duas "Filhas de Eva" e dois "Filhos de Adão" virão para enfrentar, ao lado do majestoso Leão Aslam (voz de Liam Neeson na versão original, Paulo Goulart na nacional) a Feiticeira Branca (Tilda Swinton) e retomar a beleza e a liberdade de Nárnia.

Para os fãs, como já foi mencionado acima, essa perfeição na adaptação é algo a ser celebrado, sem dúvida. Agora, para quem acha As crônicas de Nárnia literatura das mais carolas, o filme é um verdadeiro fardo, um Senhor dos Anéis para crianças (durante a projeção lembro de ter pensado que ele seria perfeito para a família de Ned Flanders, de Os Simpsons).

Mas não é a pregação o que menos incomoda. Contra o filme pesa o fato de que Adamson, egresso das excepcionais animações computadorizadas Shrek e Shrek 2, descuida das interpretações. O quarteto de protagonistas é vergonhosamente ruim. Nas cenas de batalha então, nem se fala. É mais fácil acreditar em minotauros, ogros e ciclopes que nos garotos atuando e combatendo. Pesa a mão do diretor, que dá vida aos seres digitais com habilidade (principalmente o "Leão Neeson" e o casal de castores), mas deixa a carne e osso afundar a produção. Até Tilda Swinton - geralmente uma excelente atriz - parece uma contratação equivocada. Sua Feiticeira Branca não tem majestade, força ou fôlego.

Salva-se, porém, a batalha final (exceto quando aparecem as crianças). A miríade de raças em combate é de encher os olhos. Rinocerontes, centauros, grifos, orcs, hienas, leopardos, faunos, gigantes, vampiros e até um casal de castores, entre centenas de outras espécies, enfrentam-se selvagemente. Tudo sem uma gota de sangue sequer, claro. Afinal, é um filme para crianças. Mas a ação aí é suficientemente empolgante e corajosa. Tudo acontece à luz do dia, debaixo de um belo Sol, sem medo de escancarar a computação gráfica.

Mas fica a impressão de que tudo poderia ter uma identidade própria, algo que o texto pouco detalhista de Lewis (ele preferia deixar as construções para o leitor) certamente permitiria. Ao optar pela realização desse Senhor dos Anéizinhos - até a Nova Zelândia e a Weta de Peter Jackson são usados - os responsáveis perdem uma excelente oportunidade de evitar comparações e transmitir sua mensagem de maneira mais sutil, o que certamente evitaria reações negativas como esta própria.

Fica a certeza de que Adamson faz um verdadeiro deserviço ao cinema ao abandonar o inovador Shrek para abraçar justamente a mesma Disney, que sofre uma crise criativa, da qual ele inteligentemente caçoou nas aventuras do ogro verde. Lamentável.