07 novembro 2005

A Noiva-Cadáver



Nota: 9

Não precisamos ir muito longe para lembrar da época em que os casamentos eram arranjados por interesses, fossem eles políticos ou financeiros. Ou ambos, como no caso da união entre Victor Van Dort (voz de Johnny Depp) e Victoria Everglot (Emily Watson). A família do noivo é dona de uma lucrativa indústria de peixes enlatados. São os noveaux riches da região. Gente de classe baixa que conseguiu subir na vida comprando casarões, roupas da última moda, confortáveis meios de transporte, mas não tem classe ou prestígio junto aos nobres de berço. É o caso inverso dos Everglot, aristocratas que já nasceram ostentadores, de nariz empinado, mas hoje vivem apenas dessa sua aparência, escondendo sua bancarrota.

Mas não pense que este é mais um enfadonho filme da época vitoriana inglesa. Bom, na verdade, a época é essa, mas estamos falando da nova animação em stop-motion (em que bonecos e cenário são fotografados quadro a quadro) de Tim Burton. No ótimo O Estranho Mundo de Jack (Nightmare Before Christmas, 1993) o cineasta mostrou os universos onde vivem os personagens efemérides, como os monstros do Dia das Bruxas, o Papai Noel, etc. Desta vez ele se baseia em uma lenda russa para contar a história de Victor, que depois de arruinar o ensaio de seu casamento foge para o meio do bosque e, sem querer, acaba se unindo a uma jovem morta anos atrás e que desde então esperava pela promessa de amor eterno.

O humor negro permeia a história, como é típico nos filmes de Burton. São piadas físicas, como olhos pulando e braços caindo, ou mais textuais, várias delas ditas por um verme (voz de Enn Reitel, mas cara de Steve Buscemi) que vive dentro da cabeça da Noiva-Cadáver (Helena Bonhan Carter).

O curioso é notar que Burton cria o além-vida de uma forma muito mais animada que o mundo dos vivos. Enquanto os mortos se divertem, com muita música, bebidas e coreografias de fazer, literalmente, chacoalhar o esqueleto, os terrenos se comportam como zumbis e se movem por um mundo gótico e acinzentado.

Neste longa co-dirigido por Mike Johnson, Burton usou outra de suas marcas registradas: as parcerias. Com exceção de Emily Watson, que faz seu primeiro trabalho ao lado do diretor, os demais personagens principais são todos ex-colegas do descabelado cineasta. Como Victor temos Depp, que antes já havia protagonizado Edward Mãos de tesoura, Ed Wood, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e A Fantástica Fábrica de Chocolate. Helena Bonhan Carter, além de ser esposa de Burton, fez com ele Planeta dos Macacos, Peixe Grande e A Fantástica Fábrica de Chocolate. Christopher Lee, que aparece pouco como o pastor Galswells, também está lentamente entrando no clube. Esta é a terceira aparição do ator na filmografia do diretor. Quem também não poderia ficar de fora é o compositor Danny Elfman, que trabalhou em todos os filmes de Burton desde A Grande Aventura de Pee-Wee, de 1985. Elfman desenvolve mais uma excelente trilha sonora e ótimas canções que servem para contar os dramas dos mortos.

Como se pôde notar, três dos atores acima citados estavam em A Fantástica Fábrica de Chocolate e isso não é coincidência. Aproveitando a presença dos artistas para o calórico remake, Burton usava os fins dos dias para gravar as vozes que posteriormente foram adicionadas às animações. A estréia de Depp como dublador, aliás, é excelente! A entonação de voz que ele empresta a Victor é a de um jovem muito tímido, nada que lembre, por exemplo, o Jack Sparrow de Piratas do Caribe, ou o excêntrico Willy Wonka.

Enquanto Tim Burton continuar fazendo ótimos filmes como este, ora dramáticos, ora cômicos, trágicos e românticos, mas sempre criativos e bastante autorais, sua relação de amor com o público deve continuar. Eu mesmo estarei ao seu lado... no sucesso e no fracasso, até que a morte nos separe!