11 outubro 2005

Vida de Menina



Nota: 5

Vida de Menina venceu o Festival de Gramado em 2004 não por ser o melhor filme, mas o menos imperfeito. Na competição de ficção, não tinha a mesma energia de Filhas do Vento, mas era melhor produzido, encenado, acabado. Enfim, mais vistoso. Mas continua sendo um filme de pilha fraca.

Co-escrito por Elena Soárez (Eu Tu Eles), o longa marca a estréia na ficção da documentarista Helena Solberg (Carmen Miranda: Bananas is My Business). A história se baseia nos diários que Alice Dayrell Caldeira Brant (1880-1970) escreveu entre 1893 e 1895, em Diamantina, Minas Gerais, sob o pseudônimo de Helena Morley. Alice se surpreendeu décadas depois - quando menina, desejava apenas deixar algumas memórias para seus descendentes, mas adulta viu os relatos serem publicados e traduzidos com sucesso em inglês, francês e italiano.

O filme se concentra no conteúdo do diário e dispensa a história posterior de Alice. Ludmila Dayer interpreta Helena Morley, filha de ingleses que se instalam na região atrás dos garimpos de diamantes. Nos anos que sucedem a Proclamação da República, porém, Diamantina já vê escassear o brilhante que lhe dá nome. Alexandre Morley (Dalton Vigh), pai de Helena, insiste na exploração. Por conta disso, mal consegue sustentar a casa, enquanto o outro ramo da família já aposta no comércio e vive bem financeiramente.

Desde o começo, o tom da narrativa é dado pelo embate de dualidades. Helena vem do lado protestante dos imigrantes ingleses, enquanto seus primos, abrasileirados, são católicos. Criada junto aos escravos, a menina não tem nada de aristocrata. Seus tios, ao contrário, acham-na uma deseducada. No colégio, igualmente, esse duelo do fino contra o tosco, rico contra pobre, crença gringa contra religião vigente vira motivo de briga entre meninas.

Como qualquer adolescente de qualquer época, com o adendo de ser ruiva entre brancos e negros, Helena se sente diminuída pela segregação. Passa a ler ficção, depois a escrever sobre a vida de Diamantina, para tentar fugir dela. Assim, a clássica situação da imaginação escrita como escape de uma realidade adversa vira o foco aqui.

A reconstituição histórica é cuidadosa, a inserção da abolição da escravatura na trama é pertinente. Aliás, todos os diálogos que são visivelmente uma tradução literal do diário - como aquele em que Helena chama a Proclamação de "festa de malucos" - ajudam a dar veracidade ao filme. Mas falta algo que o tire do mero registro, um clímax que altere a música sempre cerimoniosa da trilha sonora. Falta deixar um pouco a fidelidade ao texto original, que trata do mundo ao redor de Helena, e enfocar a própria protagonista. Ela começa o filme maior do que Diamantina, dona de si, mas termina como se fosse apenas uma coadjuvante a aceitar o mundo.