13 setembro 2005

Aprendendo a Mentir



Nota: 7

Para quem ficou esperando a revolução que não veio, restou a alternativa de testemunhar, passivamente ao longo dos anos, a morte de Che Guevara, o fim da URSS, a queda do Muro de Berlim. Entender os novos tempos exige dose redobrada de cinismo.

Em Aprendendo a Mentir, Helmut (Fabian Busch) prefere ignorar tudo que acontece ao seu redor. Vive como se estivesse em transe permanente, em função de sua ilusão. Se não uma crença política (o amor ao comunismo), uma paixão inesquecível pela sua primeira namorada, Britta, que lhe impede de alçar vôos maiores quando esta some de sua vida, mas também lhe confere uma confortável isenção sobre as mulheres que povoam a sua cama.

Chega, assim, aos 30 anos com os maus hábitos da adolescência intactos. Imaturo e sem olhos para o presente e o futuro, terá que rever sua história (as transformações da Alemanha desde os anos 80 servem como pano de fundo) quando engravida sua namorada.

São mundos que não existem mais, e o filme lidará com fantasmas. Se Adeus, Lênin (do qual Hendrik Handloegten, diretor do filme em questão, é co-autor) via a construção de mentiras, Aprendendo... vê homens estagnados vivendo em função de mentiras.

Porque Britta será um padrão de excelência para ele. Mais tarde, já nos estertores do comunismo, ela irá reaparecer, mas aí a idealização do amor não vai esconder sua real face, a farsa (política) que paralisou o coração de Helmut.

No entanto, sobra para outro Helmut (Kohl, ex-primeiro-ministro alemão) a expectativa hercúlea de reunificar dois mundos, quando cai o Muro de Berlim. Nada mais ficará em pé. O Helmut da ficção apenas embarca na utopia do "virar gente grande" (o que garante semelhanças com Alta Fidelidade). Para isso, em vez de unir, seu movimento é pular um muro e viver o presente. Passo que é dado muito mais pelo sonho com o capitalismo, igualmente idealizado, que venceu. Helmut é um homem dos novos tempos que exibe seu pragmatismo de quinta categoria. Nessa Alemanha pop que celebra o fim das ideologias, não há verdades ou alívio para nenhum dos lados.

Na trama, Helmut (ator de expressões econômicas) relembra certa noite em Berlim dos amores de sua vida. Quer dizer, lembra das mulheres, porque amor mesmo só um, o primeiro, pela loira angelical Britta, nos tempos do colégio. Desde que a garota se mudou para os Estados Unidos, Helmut tem vivido relações de inércia, evitado compromissos e, como diz o título, aprendido a mentir para cada mulher com quem se envolveu. Mas agora Tina, namorada de quem realmente gosta, exige um filho. E Helmut surta. Aos trinta e tantos de idade não sabe o que fazer - nem como tirar Britta da cabeça.

O roteirista e diretor Hendrik Handloegten (de Paul is Dead, exibido na 24ª Mostra) colaborou com o roteiro do sucesso de 2003 de Wolfgang Becker. A produtora dos dois filmes, a alemã X-Filme Creative Pool, vem se especializando em criar obras de apelo popular capazes de rodar o mundo. E é na esteira de Adeus, Lênin que a distribuidora brasileira acredita que Aprendendo a Mentir pode deslizar.

Tomadas as devidas proporções, pois o filme de Becker é superior, a única coisa que os conecta é o pano de fundo político. Aquele tratava diretamente na memória sentimental da Alemanha comunista, e este emparelha as mudanças na vida de Helmut com os anos 80 na Alemanha Ocidental que culminarão na derrubada do Muro de Berlim em 1989.

Não por acaso, o alienado Helmut conhece a engajada Britta durante uma visita à capital em 1982, quando Helmut Kohl (os nomes também não parecem coincidir por acaso) se elege chanceler. Os votos de unificação nacional do SPD, Partido Social-Democrata, são idênticos às promessas de amor eterno que Helmut e Britta dividem na noite de Natal. Mas a garota parte mundo afora - o que não deixa de ter também um sentido político. Depois de um longo intervalo, Helmut volta a encontrá-la justamente nos dias posteriores à queda do Muro.

Aprendendo a Mentir oferece, portanto, elementos que legitimam uma interpretação política - e é preciso ter repertório para deduzi-la. A defasagem industrial da porção comunista provocou miséria, escombros e desemprego após a reunificação, como Adeus, Lênin! mostrou bem. E isso tem tudo a ver com a desilusão que Helmut sente ao rever a nova Britta, a de Berlim das raves nos anos 90, sem o mesmo brilho nos olhos de 1982.

Mas como o país, quem sabe Helmut supera o baque. Afinal de contas, Tina quer ter um filho dele. O protagonista apaixonado pode chegar a um ponto de autocrítica similar à democratização da Alemanha de hoje. De novo, não por acaso, um lambe-lambe de referendo público colado num muro, sobre a adoção do euro como moeda da União Européia em 1999, pontua o momento em que Helmut toma a grande decisão de sua vida.