Desejo e Obsessão
Nota: 7,5
"O filme é, de certa forma, sobre o amor." Essa foi a resposta que a diretora Claire Denis encontrou para os jornalistas que repercutiam a controvérsia causada por Desejo e Obsessão no Festival de Cannes 2001. A julgar pela resposta, a cena de abertura pode ser vista como uma carta de intenções: o flagrante de um beijo noturno comentado pela fina orquestração da banda Tindersticks. "Quando você olha através dos meus olhos, você vê problemas todos os dias", canta a voz grave de Stuart Staples.
Mas, se esse é mesmo um filme de amor, seria preciso acrescentar que se trata de um daqueles ao estilo "ame-o ou deixe-o" - em Cannes, houve quem deixasse a sessão. Isso tudo porque, se resumido ao seu enredo, como gostam de fazer os críticos americanos, Desejo e Obsessão não foge à categoria "filme de horror".
Vejamos: o jovem casal Brown chega a Paris em lua-de-mel. Um pretexto para o senhor Brown (Vincent Gallo), atormentado por estranhas compulsões, procurar velhos conhecidos, Léo (Alex Descas), um cientista banido dos círculos oficiais por conta de uma controversa experiência com a libido humana, e sua mulher (Béatrice Dalle), cuja beleza é ainda mais predatória do que aparenta.
Dito isso, deve-se ressaltar que o enredo não importa muito. O público que não se engane: a diretora não é de fazer gênero. Desejo é um filme de atmosfera (um filme sobre a noite) que segue languidamente o fluxo do desejo de seus protagonistas, máquinas desejantes. É claro, as já famosas cenas de canibalismo estão lá, intensas mas perfeitamente estetizadas, prontas a levantar polêmica.
No início dos anos 90, quando rodava um curta com Gallo, Denis recebeu a proposta de um produtor americano para fazer um "filme de horror". Na época, ela se achava incapaz de fazer um filme de gênero. Nove anos depois, mudou de idéia. A melhor forma que encontrou de driblar, com seu talento, as ambições de seus financiadores foi levar o gênero a sério.
O resultado é uma obra que resvala nos códigos do filme de vampiro somente para se sedimentar sobre o mistério das relações humanas -o vampirismo entra aqui em sua forma original, sadiana, como sinônimo e metáfora de uma sexualidade desenfreada. Não é um thriller de suspense, como poderia fazer crer. Claire Denis conduz o filme como um drama, como a busca pessoal de um homem, que ama profundamente sua esposa, para livrar-se de uma doença que pode colocá-la em risco (logo no início do filme, uma mordida no braço dela já revela o perigo).
Desejo e Obsessão não é a história de canibais, de estranhos viciados em carne humana, como vende a publicidade atual em torno do filme. Como todo outro filme de Claire Denis, é um filme sobre a carne e seus impulsos mais irracionais, seja a criminalidade serial (Noites Sem Dormir), seja o racalcamento homossexual (Bom Trabalho). É um filme feito com a câmera, coisa que não se pode dizer da maioria do cinema feito atualmente. Isso não quer dizer que seja um filme sem narrativa, mas a narrativa certamente sofre mudanças que podem incomodar um espectador intransigente e mais acostumado a filmes de Russell Crowe que eleja Woody Allen como o limite máximo de experimentação formal permitida. Desejo e Obsessão é um filme à flor da pele, ao mesmo tempo delicado e selvagem, onde se fala muito pouco, se age muito pouco, mas quando se fala ou se age, é de uma vez por todas.
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