Harmada
Nota: 8
O veterano diretor e roteirista Maurice Capovilla volta ao cinema com Harmada, depois de 25 anos de seu último filme. O seu novo filme, adapta o premiado romance de mesmo nome do escritor gaúcho João Gilberto Noll.
O trabalho foi filmado em 2002 e finalizado em 2003, quando concorreu ao 36° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, conquistando o prêmio de melhor ator para o também veterano Paulo César Pereio. Capovilla, sempre identificado com o Cinema Novo e o cinema autoral, diretor de filmes importantes na cinematografia nacional, não perdeu seu estilo.
A história de Harmada é cheia de símbolos que o espectador precisa se dispor a decifrar. Basicamente, trata da grave crise na vida de um protagonista, que se chama simplesmente "O Ator" (Pereio).
O cinema atual tornou-se escravo da verossimilhança e da psicologia. Até na mais descabelada ficção científica encontramos a preocupação com explicações pretensamente lógicas, com nexos de causa e efeito, com motivações pessoais claramente identificáveis, com relacionamentos afetivos análogos aos das telenovelas. Nesse contexto, um filme como Harmada surge como um objeto estranho, ao mesmo tempo incômodo e revitalizador. Assim como o romance de João Gilberto Noll em que se baseou, o longa-metragem de Maurice Capovilla passa ao largo de toda essa tralha superficial para se deter no que interessa: o poder da arte contra a miséria do mundo.
Narra-se aqui um fiapo de história: um ator mambembe e sem nome, referido apenas como Ator, pratica seu ofício em praça pública, ama um punhado de mulheres, junta-se a um grupo de sem-teto, vai parar num asilo, orienta uma jovem atriz. Não há indicações de lugar, de tempo, de antecedentes. Sabemos apenas que entre uma cena e outra passam-se anos, que o Ator sofreu agruras físicas e morais e que sua arte resiste. É um homem sem passado e sem futuro, livre e desmemoriado, que conta histórias para agregar os homens e vencer o horror.
Para transformar em cinema a prosa impalpável de Noll, Capovilla, 68, recorreu a um grupo de veteranos como ele: o ator Paulo César Pereio, o diretor de fotografia Mário Carneiro (o que trabalhava com Glauber Rocha), o operador de câmera Dib Lufti -todos sobreviventes de um cinema que se pretendia mais que uma mera diversão de shopping center. As filmagens em Parati, um cenário atemporal, na fronteira entre o urbano e o rural, acentuam a indeterminação da história. Sem âncoras espaço-temporais, "Harmada" é um filme que flutua, que recomeça a cada cena, que parece não ter um caminho pré-definido.
Duas informações são eloqüentes a respeito do estado em que se encontra hoje o chamado "mercado" para o cinema brasileiro. A primeira é que Harmada é o primeiro longa-metragem realizado por Capovilla desde O Jogo da Vida (1976). Ou seja: o realizador de obras como Bebel, a Garota Propaganda e O Profeta da Fome ficou quase 30 anos sem filmar. A segunda informação é que Harmada disputou em 2003 o Festival de Cinema de Brasília, onde Pereio ganhou, muito merecidamente, o prêmio de melhor ator. Só dois anos depois o filme é jogado bruscamente nas salas de cinema, sem uma campanha adequada de divulgação. Triste cinema brasileiro.
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