06 maio 2005

Kinsey - Vamos Falar de Sexo



Nota: 7

Hollywood adora um gênio incompreendido. Ainda mais se for um talento nato. Não é bem o caso de Alfred Kinsey, o homem-à-frente-do-seu-tempo da vez na cinebiografia Kinsey - Vamos falar de sexo? (Kinsey, 2004). Conhecido como "Doutor Sexo", ele revolucionou o estudo biológico das relações humanas ao falar em aulas concorridíssimas de masturbação, sexo fora do casamento e homossexualismo nos castiços anos 1940. O caso é que Kinsey não se interessou no assunto por um relampejo divino, mas por um inconveniente... pessoal.

Contrário aos anseios do seu pai (John Lithgow, de 3rd rock from the sun, ator subestimado), pastor puritaníssimo, o adolescente Alfred parte para a biologia, área não muito promissora financeiramente. Na faculdade se interessa por um tipo peculiar de inseto, cujos espécimes coleciona em viagens por todo os Estados Unidos. Quando junta os milhares, vira autoridade. O problema é que a entomologia não entusiasma o mundo como Kinsey (Liam Neeson) esperava.

Entusiasma, no entanto, uma aluna sua, Clara (Laura Linney). As afinidades são evidentes e os dois logo se casam. Mas na noite de núpcias se acomete sobre o casal um infortúnio comum: simplesmente não se encaixam. Clara se machuca a ponto de impossibilitar a relação. Ora, pensa ele, humanos não são muito diferentes dos insetos. À procura de especialização, Kinsey então descobre que a escassa literatura sobre o assunto não passa de crendices e aproximações. Começa aí a sua epopéia por desmontar tabus, via fisiologia.

E o Doutor não apenas resolve o seu problema, claro, como também se põe a serviço de tantos mais.

Até esse ponto, o roteirista e diretor Bill Condon - que já desvendou a sexualidade de mitos em outro bom filme, Deuses e monstros (1998) - ocupa um tempo considerável para o seu primeiro ato, a apresentação dos personagens e das situações. Já começa a pesar a favor do diretor, nova-iorquino que nasceu em 1955, um ano antes da morte de Kinsey, a precisão na escrita de diálogos. É um acadêmico, no melhor sentido do termo. Ainda que não seja um virtuose atrás da câmera, sabe muito bem aquecer temas antes de abordá-los.

Por exemplo, o cineasta faz pensar que o dilema principal aqui é a superação, por parte de Kinsey, da mentalidade atrasada resumida na figura de seu pai. No fundo, não é. Isso seria martirizar o gênio, coisa que todo filme desse subgênero facilmente faria. Aos poucos Condon o eleva, mas encurrala o doutor e expõe a sua falibilidade como pesquisador ao criar-lhe um conflito conjugal.

Na sua ânsia profissional Kinsey não se furta a provar do mesmo sexo. Também se coloca como cobaia para testar uma voluntária que diz chegar ao orgasmo em segundos. E conta à Clara com a maior naturalidade. Ela condescende - afinal, é tudo pela ciência. Daí, a virada. Esperta, a esposa atiça o ciúme ao lhe dizer que ela também tem direito a novas experiências - já que o doutor sempre defendeu a natureza animal da nossa poligamia.

Pronto. A crença de Kinsey na comprovação empírica - que desde o começo descarta, entre outras coisas, o amor - não sabe explicar os sentimentos que afetam a ele e começam a atingir a sua equipe de "modernos" pesquisadores. Ou seja, ele foi técnico demais, acadêmico demais e esqueceu que a vida é mais do que um livro de verdades. Eu consegui tirar duas boas lições do filme: uma é que as verdades de então são tão falsas quanto as verdades de outrora, ou seja, a verdade é uma mentira. Na época de Kinsey, o sexo era um tabu, com muitas e muitas mentiras, pregadas como verdades. Ele aparece como um subversivo e rompe com tudo, rompe com as verdades. Aí a outra lição que tiro: todo mundo com alguma espécie de poder em mãos, tende a perpetuar verdades. Kinsey que subverteu a moral americana na década de 40, cria outra moral na década seguinte, classificando, enumerando, nomeando as relações humanas. Foi isso que acabou com ele e consequentemente, com a pesquisa.