O Filho do Máscara
Nota: 2
Das duas, uma: ou Hollywood está passando por um processo incontrolável de explosão demográfica, ou a infertilidade no campo criativo das grandes idéias está gerando rebentos intragáveis. Se você considerar este novo trabalho do diretor Lawrence Guterman (Como Cães e Gatos), pode apostar na segunda hipótese que é mais garantido.
O filme mal chega a mencionar as relações e interferências de seu predecessor. Começa com uma cena de museu, em que um professor tão arqueológico quanto as peças em exposição explica a origem de uma valiosa máscara. Lá se esconde Loki (Alan Cumming, de X-Men 2 e Pequenos Espiões), o homem-mau, rebelde sem causa à procura dessa relíquia por determinação de seu pai, o todo-poderoso Odin (Bob Hoskins, de Dicionário de Cama e Encontro de amor). Ou Loki traz de volta esse adereço carnavalesco ao seu longínquo planeta, ou os estragos serão incalculáveis.
Pelos mistérios inexplicáveis por nossa vã filosofia, a verdadeira máscara perdida vai parar na casa de um pacato casal, Tonya (Traylor Howard, de Eu, Eu Mesmo & Irene) e Tim Avery (Jamie Kennedy, de Pânico e Inimigo do Estado). Ela, uma aspirante ao cargo de mãe, que insiste em ter filhos. Ele, um esboço de cartunista, tímido, travado e receoso com a idéia de ser pai. Quem se encarrega de trazer o molde facial ao doce lar é Otis, o cachorro.
Sem querer, Tim acaba usando a máscara numa festa de Halloween, e assim adquire os poderes que este artefato precioso oferece. Tempos depois, eis que finalmente Tim cede aos apelos de sua amada e resolve ter um filho. E aí nasce nosso protagonista, Alvey (Ryan e Liam Falconer), já incorporando a maldição do objeto desde seu nascimento.
O filho do outro
Em outro filme recente de berços e maternidade, O Filho de Chucky (2004), havia ao menos a coerência de manter o escracho de cabo a rabo. Fazia sentido uma continuação, pois todo o projeto se desenvolveu a partir de uma história com veias de terror e trama de novela: o nascimento, a ressurreição, o casamento e a prole. Neste aqui, porém, o cordão umbilical sequer existe. Não há nada no original que faça sugerir uma seqüência. Principalmente uma como esta.
Este fedelho esverdeado que inventaram torna-se capenga perto do piloto da série. Há um esforço em trazer elementos do primeiro para reativar a memória e a graça do que foi aquela remota comédia anterior: o baile, os dedos que se transformam em revólveres, caras e caretas. Mas tudo isso fica perdido no universo das referências soltas, onde nem se percebe a utilidade destas ferramentas cômicas.
A grande diferença entre o progenitor e este caça-níqueis está na desenvoltura dos protagonistas e o significado desta relação entre eles e o espaço cênico. Sobrava elasticidade em Jim Carrey, como se o filme todo fosse um puxa-puxa. Apesar de aparentemente nonsense, o roteiro era “amarrado”. Havia um ritmo na montagem na velocidade de um projétil de estilingue. Para o total entretenimento, bastava o chiclete colorido que quase saía da tela para trazer o espectador ao núcleo da diversão.
Nesta continuação, a dimensão que o diretor estabelece é totalmente diferente. Tudo é mais preso, tudo é mais quadrado dentro da lente da câmera. Apelou-se, então, para a criação de movimentos bruscos dentro desse espaço limítrofe. Seres alucinados, hipercinéticos, pululando de um canto pra outro da tela. Igual àquelas representações pictóricas de apostilas de aula de Biologia, em que as moléculas sob altas temperaturas e alta pressão tendem a ocupar um espaço maior. O Filho do Máskara está mais para Flubber (1997) do que para O Máskara (1994) pai. O filme, literalmente, “atira para todos os lados”, sem estabelecer uma coerência estética na sua estrutura celular.
Não há outra explicação para a quantidade de melodias improvisadas nas diferentes versões da música "Can't Take my Eyes of You", o resumo da ópera desse caldo cultural transgênico. Pinça estilos tão diferentes entre si, que chega a ser até contraditório. Bebe da fonte do universo cromático negro e sorumbático de um Tim Burton, por exemplo (Cumming é a própria fantasia de Edward Mãos de Tesoura), passando pela citação descarada do giro craniano de 360º e o posterior gláucico regurgito de O Exorcista. Isso sem falar na aceita cafonice das cores da escola de samba Mangueira que Joel Schumacher reproduziu em Batman Eternamente (1995). A cena da ovulação, em que monstrinhos de ralo de esgoto apostam corrida para ver quem chega primeiro ao Paraíso rotundo, é tão indescritível quanto bizarra. Há nela tanto um clima de paz celestial quanto de sacanagem das mais perversas.
Mas a verdadeira relação entre pai e filho que o filme ao mesmo tempo aborda e esquece é a submissão de Loki (na versão dublada, quem dá voz é o roqueiro decadente Supla) ao jupiteriano ser superior etéreo e amorfo, Odin. Sua aparição no céu como representação da onipresença é mais contundente do que parece. Através das autoritárias vozes de comando, todos os complexos e sentimentos de culpa estão nesse jogo pouco explorado pelo diretor. É nessa carga genética de demonstração de poder que há um conteúdo retratado com um pouco mais de vigor. Analisar cada diálogo dessas cenas seria campo pra Psicologia, mas é importante registrar onde está o ponto forte de uma boa idéia dissipada pelas macaquices circenses. Perto desse confronto familiar, que até se utilizou do sobrenatural pra deixar a coisa ainda mais complicada, o bebezinho polimorfo não é nada mais do que uma bexiga de festa pobre. Vítima de uma produção cinematográfica infecunda repleta de profissionais estéreis.
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