11 abril 2005

O Clã das Adagas Voadoras



Nota: 6,5

Zhang Yimou criou dramas de indiscutível beleza e lirismo. Lanternas Vermelhas, Nenhum a Menos, pode ir dizendo os títulos - há um ou outro que peque em termos de impacto emocional, mas Yimou não teve um filho feio até agora.

Mas com Herói e O Clã das Adagas Voadoras, ele pariu supermodelos.

O gênero Wuxia Pian desenvolveu-se na China praticamente em paralelo com o advento do cinema na região. Explicando de modo muito diluído em água morna, os Wuxia Pian são como adaptações dos contos de trovadores chineses para as telas. Aquela gente de olhinho fechado (excluindo-se a Renée Zellweger) voando pelos bambuzais, para a incompreensão do Ocidente despido de magia, são mitos como nossos superheróis, porém baseados em habilidades reais de gente que sabia o bastante para ficar dichavada. Quem já viu chinês pegando copo no ar antes de quebrar ou voando por cima de balcões e carros como se fosse a coisa mais tranqüila do mundo, não duvida muito que eles não sejam capazes de parar seu coração com três toques de polegar.

Yimou nutre o desejo de fazer Wuxia Pians já há algum tempo, quase desistiu depois que O Tigre e o Dragão (um bom filme, mas com uma filosofia chinesa de livro de rodoviária) foi lançado, pois temia ser chamado de aproveitador, mas o sucesso do filme só facilitou o financiamento de seu Herói. O lançamento de Herói foi tão atrasado pela Miramax, dona dos direitos internacionais de distribuição, que todo mundo começou a importar o DVD chinês. A Miramax tentou entrar com uma ação para impedir a importação de DVDs (!!!), temendo que isso prejudicasse a bilheteria do filme. Quase 3 anos depois, o filme é lançado nos EUA e fica 2 semanas em primeiro lugar. O que isso mostra?

Que você não pode nem tem o direito de bloquear a curiosidade das pessoas. Que o poder de uma obra cinematográfica vai além das previsões dos executivos. Eu já tinha visto o filme em DVD (você também, que eu sei) e a única coisa que me ocasionou foi uma vontade irrepreensível de ver o filme numa tela grande e num cinema onde as pessoas fiquem de boca calada. Ver o filme em DVD antes foi como uma propaganda que só me atraiu a sala de exibição.

Depois de Herói, Yimou realizou o não-tão-bom O Clã das Adagas Voadoras. É quase uma covardia colocar ambos os filmes lado-a-lado, mas o novo filme de Yimou tenta orientalizar-se menos para o paladar do público mundial e um pouco da magia acaba se perdendo. O Clã... é um convencional romance Wuxia Pian, onde sente-se uma certa mão pesada no quesito roteiro e lutas.

No ano 859, a China passa por terríveis conflitos. A dinastia Tang, antes próspera, está decadente. Corrupto, o governo é incapaz de lutar contra os grupos que se rebelam. O mais poderoso e prestigiado deles é o Clã das Adagas Voadoras. Leo e Jin, dois soldados do exército oficial, recebem a missão de capturar o misterioso líder do grupo e, para tanto, elaboram um plano: Jin se disfarça como um combatente solitário, ganha a confiança da bela revolucionária cega Mei e, assim, infiltra-se no grupo. Mas a dupla não contava com os sentimentos que Mei despertaria nos dois. As Adagas Voadoras opõe-se ao governo. Atuando em várias partes do Reino, o sargento de uma pequena localidade (Andy Lau, o Antônio Fagundes de Hong Kong) segue a pista de que o bordel local estaria servindo de abrigo para a filha cega (Zhang Ziyi, ainda mais deliciosa) do Poderoso Chefão do clã. Ele consegue prendê-la, mas resolve usá-la de isca para ser guiado ao grupo de marginais. Para isso, uma fuga é forjada por um dos policiais (o galã Takeshi Kaneshiro). Durante a fuga, os dois acabam se apaixonando, mas nada não é o que parece.

O Clã das Adagas Voadoras começa com uma majestade do caralho. A cena do bordel é um banquete para olhos e mentes. Os protagonistas estão completamente cativantes e a ação, à princípio, parece indicar que Yimou está guardando o melhor para o final. Infelizmente, o resto de O Clã... segue monocordicamente. O romance desenvolve-se numa série de "eu te odeio, eu te odeio, eu te amo" e, particularmente, nunca chegou a realmente me envolver. Belas cenas como a do bambuzal perdem um pouco do impacto pelo ritmo irregular da história.

Yimou concentra a tal palheta de cores no verde (ele varia mais no final), ainda rico, mas cansativo depois de certo tempo. O filme é lindamente fotografado, a trilha sonora especialmente folclórica nos catapulta direto à época retratada no filme, mas há um excesso de lirismo que compromete a emoção - nós queremos nos afastar para ter uma melhor perspectiva da beleza dos quadros, mas dificilmente acabamos "entrando" neles. Porém, a história tem algumas boas (embora pouco surpreendentes) reviravoltas que, somado a química de Kaneshiro e Ziyi, mantém o espectador sempre interessado. Há espaço no roteiro para criar um ótimo arco de desenvolvimento dos personagens.

O Clã das Adagas Voadoras é Wuxia Pian bem mais comercial, composto de visuais nada menos que fantásticos, mas tenta apelar um tanto na história e nos sentimentos. O filme equilibra-se numa corda bamba, a atravessa sem cair, mas meu Deus, como balança até chegar ao final. Mantenha em mente que, mesmo assim, o filme é um deleite aos sentidos, melhor do que qualquer porcaria que os executivos americanos querem nos empurrar. O filme é repleto de razão de ser, vai satisfazer o espectador que quer mais de seus filmes de entretenimento do que um boquetinho de puta (o folclore e costumes culturais apresentados no filme farão o dia daquele que gosta de aprender enquanto se diverte), é capaz até de agradar o espectador comum mais do que Herói, se a gente reclama é porque Yimou criou um padrão altíssimo para si mesmo.