O Sétimo Dia
Nota: 8
Se Walter Salles Jr. não tivesse impregnado o sertão de Abril despedaçado (2001) com um olhar estetizante, tipo Sebastião Salgado, é bem possível que desembocasse em O sétimo dia (El séptimo día, 2004).
No filme espanhol, baseado em um caso verídico, o acerto de contas entre os Jiménez e os Fuentes já dura trinta anos. Tudo começou quando Amadeo Jiménez e Luciana Fuentes tiveram um namoro fugaz. Subitamente abandonada, num momento de raiva ela pede ao irmão que mate o ex-amado. O assassinato tem como troco o incêndio na casa em que a matriarca dos Fuentes dormia. Hoje, a adolescente Isabel (Yohana Cobo) ouve muitas histórias sobre a morte de seu tio Amadeo, mas não desconfia que os Fuentes remanescentes ainda planejam descontar a traumática morte da mãe.
As tramas dos dois longas são, nota-se, muito similares. Ambos tratam de famílias rivais cujas mortes intercaladas não parecem ter remédio. A diferença é que o filme de Carlos Saura não tenta angelizar os inocentes filhos da vingança. Abril é do Bem. O sétimo dia é do Mal.
Com o filme, Saura equilibra a sua antologia. Nascido em 1932, ele filmou de forma crítica e intimista - entre 1956 até os meados dos anos 80 - as conseqüências da ditadura de Francisco Franco (1892-1975) na sociedade espanhola. Com o esgotamento da temática, passou a investir na música e na força visual da dança. Trocou o discurso político seco e direto pela poesia de óperas trágicas como Carmen (1983), Flamenco (1995), Tango (1998) e Goya (1999). O sétimo dia vem para conciliar: o relato realista remete à primeira fase; o lirismo do cancioneiro campestre, à segunda.
Esse lirismo não parece deslocado. Pelo contrário, prenuncia com um compasso fúnebre a matança que virá. Não por acaso, o filme se associa diretamente ao western americano - em particular à obra de Sam Peckinpah (1925-1984) e de Sergio Leone (1929-1989), dois mestres da violência que imprimiam como poucos os cantos de cisnes da vida numa película.
Desde as ações que acontecem dentro de um bar até o crepúsculo na praça central, tudo aqui funciona como faroeste - mas Saura evita esquematismos de gênero. Esse é o passo que dá além de Salles. A perpetuação da desgraça não é só um fator privado, particular das duas famílias. Isabel se relaciona com um garoto instável: dali pode nascer uma história de rancor totalmente nova. Trata-se de um problema social.
O grande réu do espanhol, portanto, é a vila interiorana cuja paisagem ele filma contemplativo, mas cuja população ele enquadra desdenhosamente. É o lugar e a gente que Deus deixou quando descansou no sétimo dia da criação. Curiosamente, o final desse réquiem sangrento, depois de todo o pó, se perde no horizonte do mar - igualzinho ao desfecho de Abril despedaçado. A diferença é que Saura faz uma escolha muito mais controversa e, por isso, corajosa.
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