25 abril 2005

Maria Cheia de Graça



Nota: 8,5

Maria cheia de graça (Maria Llena Eres De Gracia, 2004) podia até ser um filme tecnicamente regular que ainda assim teria pontos positivos. Principalmente porque a analogia estabelecida pelo californiano Joshua Marston em seu longa de estréia beira a genialidade. A Maria do título, que no cartaz aparenta receber a comunhão, não é a mãe de Jesus, mas carrega em seu ventre frutos que muitos consideram bendito: 62 pacotes de cocaína, cuja "graça" efêmera encontra paralelo no fervor religioso.

Mas a metáfora religiosa pára por aí. A história tem o pé plantado firme na Terra. Grávida de uma criança que não deseja, gerada com um namorado que não ama, a protagonista vive numa pequena comunidade rural colombiana. Cansada da vida indigna numa plantação de rosas, onde trabalha longas horas tirando espinhos dos talos das flores por salário de fome - que tem que dividir com a mãe, irmã e sobrinho -, a garota decide aceitar um trabalho como "mula" num momento de ousadia. Dessa forma, aquele traficante do noticiário, o malandro do Datena, ganha um rosto. E apesar de bonito, não é um rosto para o qual gostamos de olhar.

Convencida por um intermediário, ela aceita levar dentro de seu corpo uma carga de drogas aos Estados Unidos. Cada pacote do tamanho de uma uva. E se apenas um deles vazar, a morte é certa. Sem qualquer perspectiva e agora responsável por uma nova vida, Maria opta pela saída mais fácil, rápida e arriscada. A decisão espelha as tomadas pelas crianças do brasileiro Cidade de Deus, algo que clama há décadas por solução e que, apesar de ser motivo de vergonha nacional, continua cada vez pior. O rosto fica ainda mais feio...

Acompanhando esta menina de 17 anos, o público tem contato com o universo do tráfico de drogas internacional do ponto de vista mais baixo. O processo de preparo dos pacotinhos, o jejum para recebê-los, a dura viagem até Nova York, onde a carga deverá ser entregue. Tudo dolorosamente realista. Dolorosamente compreensível.

A segunda metade da co-produção dos Estados Unidos e Colômbia se passa em Nova York, onde Maria encontra a solidariedade entre seus pares. Se estabelece na comunidade colombiana no bairro pobre do Queens. Nesse ponto a realidade também parece um reflexo da nossa, algo que está sendo discutido atualmente até nas novelas: a vida dos imigrantes ilegais, a eterna busca pelo gramado mais verde do vizinho e o lado negro desse sonho.

Mas se a história de Maria é igual a milhares de outras, como anuncia o slogan do filme, a linda, talentosa e estreante Catalina Sandino Moreno a torna especial. Sua atuação, pela qual foi indicada ao Oscar de melhor atriz 2005, é naturalmente comovente e em momento algum parece falsa ou forçada. Aliás, essa é também a atmosfera geral do filme, que recebeu honrarias em inúmeros festivais internacionais. O diretor abre mão dos recursos consagrados nesse tipo de drama. A música não sobe, ele não chama o público às lágrimas. Diz não ao melodrama barato. Prefere retratar a realidade de forma natural, herança, talvez, de seus anos como jornalista e cientista político. Decisão acertadíssima. Afinal, pra quê aumentar se a realidade já é suficientemente dramática?