Vozes Inocentes
Nota: 8
A guerra é assunto de adultos insensíveis, como o cinema latino-americano parece ressaltar cada vez mais. Quando tratam das suas respectivas ditaduras, argentinos (Kamchatka) e chilenos (Machuca) guardam as crianças como reservas de pureza, enquanto brasileiros (Ação entre Amigos, Cabra-Cega, Benjamim) preferem acreditar que o amor é a última trincheira da salvação.
A película mexicana Vozes inocentes (Voces inocentes, 2004) também parte dessa idéia de que a guerra deve ser mantida longe das crianças, do contrário contamina o seu espírito - no bom sentido - primitivo. Aqui, não apenas a infância, como também a alienação, simboliza a paz: corre alegre o tempo todo, de um lado ao outro, o deficiente mental que brinca com os meninos.
Mas boa parte da pureza de Chava (Carlos Padilha) já se perdeu quando o pai fugiu de El Savador para os EUA, deixando-o como precoce chefe da casa, ao lado da mãe (Leonor Varela, a heroína de Blade 2). O pior virá quando o menino completar doze anos. O exercito salvadorenho logo o converterá em soldado contra os rebeldes da guerrilha FMLN - que igualmente querem cooptá-lo para o seu lado.
O roteiro de Oscar Torres se baseia na sua própria história durante a Guerra Civil que tomou o país entre 1981 e 1992. Milhares de crianças que mal conseguiam segurar um fuzil foram arrancadas da sua inocência. As cicatrizes ainda ardentes podem explicar parte do sensacionalismo que o diretor Luis Mandoki (Uma carta de amor, Olhar de anjo) imprime à película.
Tudo bem, o tema é árduo, mas assusta a falta de sutilezas. Tome criança chorando e família acuada em barracos entre o fogo cruzado na cidade. Tome discurso inflamado do padre local. Repare que a denúncia dos horrores da guerra, pretensamente libertária, passa pela defesa desses dois símbolos tradicionalíssimos, a família e a igreja. Tome também a descoberta do amor infantil sendo estripada pelo conflito. E tome close-up.
O fato de Vozes inocentes recorrer a todo tipo de chantagem emocional para sequestrar o espectador à sua causa não seria, em si, de todo mal - muitos filme melhores e piores também agem assim. O problema é que Mandoki e o diretor de fotografia Juan Ruiz Anchia tentam dar à narrativa um certo realismo, com a câmera tremida a todo momento, mas não percebem que o tom documental entra em conflito com o sentimentalismo artificial.
As duas coisas simplesmente não se combinam. Isso gera aberrações como enquadramentos desfocados que, de um momento a outro, se endireitam para pegar a feição angustiada de Chava. Falando assim, soa preciosismo, mas não é. Na tela fica parecendo tosquice da Televisa.
Se você não se importa com esses detalhes formais, pode se emocionar com o filme sem problemas. Mas as barbeiragens de Mandoki - como a exposição desavergonhada de Carlos Padilha, um ator-mirim que não tem condição de segurar tantos closes - são mais violentas do que um fuzilamento.
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