16 maio 2005

Julieta dos Espíritos - Fellini (1965)



Nota: 9

Não é fácil compreender todas as intenções de Fellini em Julieta dos Espíritos, todas os simbolismos que ele utiliza para contar sua história, mas, assim como outros trabalhos do diretor, é um filme bastante intenso, instigante e apaixonante. Giuletta Massina, esposa de Fellini, entrega uma interpretação magistral no papel da reprimida Julieta.

É impressionante sua capacidade de expressar toda as angústias da personagem apenas com o olhar. Mais uma vez Fellini mistura sonhos, delírios e memórias da infância, fazendo uma espécie de versão feminina de 8¹/², e, assim como em seu filme anterior, entrega uma obra-prima. Uma mostra do quanto o cinema do diretor é brilhante, fascinante e verdadeiramente autoral.

Fellini pincela misticismo e religião, mistura infidelidade e alucinações, brinca com crenças duvidosas ligadas a espíritos e adivinhadores do futuro.

Julieta leva uma vida aparentemente tranqüila, casada com um homem que lhe oferece todo o conforto, seu dia-a-dia é passear na praia e comandar as empregadas nos afazeres domésticos. Ela suspeita da infidelidade do marido, suas amigas e parentes adoram esses assuntos místicos e a levam a gurus além de fazerem sessões para invocar espíritos em sua casa. Nessa tumultuada vida social Julieta começa a ter alucinações, lembranças do passado atormentam sua cabeça.

O convívio com a vizinha Suzy traz todo esse mundo alucinógeno para dentro da realidade, a casa de Suzy é extravagante, sempre festiva, e o aspecto libertino de seu estilo de vida é outro ponto a ser acrescido na cabeça dessa mulher simples e caseira que mal sabe lidar com as incertezas da relação com o marido. Suzy é completamente desprovida de pudor, tem um tobogã com uma piscina no quarto e a poligamia como objetivo. Essa é a típica história, atípica, onde Fellini tem espaço para se deleitar e deixar sua mente voar.

Fellini, falando sobre Julieta dos Espíritos, disse: "Um filme sobre Giuletta e para Giuletta Masina". São evidentes, como lembrou o crítico Moniz Viana, as aproximações entre este filme com seu anterior: Oito e Meio(1962). Em Oito e Meio, ao longo das reminiscências pessoais que Fellini emprestou a Marcello ( vivido por Mastroianni), também um diretor de cinema que ultrapassa "a metade do caminho de sua vida", havia muitas infidelidades, revestida de nova importância porque já está encaminhando uma decisão, vem a ser suspeitada ou pressentida pela mulher, agora Giulietta.

É a crise que ela experimenta - contida no plano real, mas em alucinante disparada, no plano da imaginação - liga Giulietta a Otto e Mezzo: é a mesma situação vista de dois ângulos diferentes" (...) A técnica narrativa de Julieta é um prolongamento da empregada em Oito e Meio, avançando a câmara no rumo de uma vidente e deliberada extravagância, justificada pelo grande número de situações oníricas ou próximas do terreno do sonho, e estimulada pela cor - esta só usada pôr Fellini anteriormente uma vez (no episódio de Boccacio 70) e sem a liberdade, o delírio, quase o êxtase que o cineasta procurou exprimir nesta sua segunda e definitiva experiência. A cor felliniana é tão diversa, tão surpreendente, que houve quem suspeitasse de que o realizador agira sob o efeito do LSD".