09 fevereiro 2005

A Grande Ilusão - Renoir (1937)



Nota: 8

A máxima já atravessa décadas e décadas de conflitos infindáveis, sempre com um apelo pacificador inegável, mas nunca com a devida assimilação prática. "Na guerra, não existem vencedores, apenas derrotados". No período localizado entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, as décadas de 20 e 30, a Europa pôde comprovar toda a veracidade cruel do ditado. Países arrasados, povos amaldiçoados. Fossem levadas em conta apenas essas premissas, o filme de 1937 "A Grande Ilusão" ("La Grande Illusion"), do mestre francês Jean Renoir (1894-1979), um libelo inovador contra a banalidade da luta, um defensor do lema descrito acima, já poderia ser considerado um clássico imortal.


Nessa época, o cinema começava a conhecer as suas potencialidades visuais, sonoras - e persuasivas. O russo Sergei Eisenstein (1898-1948) inventava os fundamentos da propaganda socialista. Hollywood surgia como um meio eficaz de promover os valores da sociedade americana. Renoir aproveita a desencanto do mundo e cria, num filme crítico e apartidário, um manifesto belíssimo da paz. Filho do gênio impressionista Pierre Auguste Renoir (1841-1919), Jean absorveu do pai o gosto pelas artes, a forte referência da fotografia, das paisagens como cenário de dramas humanos. Influenciador de toda a geração da Nouvelle Vague, também contribuiu para a formação da Sétima Arte com pequenos detalhes como o plano-sequência e a perspectiva em profundidade. Já dos serviços prestados ao exército francês na Primeira Guerra, Renoir adquiriu um olhar próprio, realista, sobre as verdades do campo de batalha.


Nos idos de 1916 (1º Guerra), um grupo de combatentes franceses acaba aprisionado numa base do exército alemão. Na prisão, longe do esquema “preso-herói-bom, carcereiro-vilão-mau, torturas, injustiças e sentimentalismos”, os prisioneiros levam uma vida relativamente normal. Eles se enturmam entre si e mantêm uma relação de camaradagem com os alemães. Todos estão no meio de uma guerra, mas as pessoas da prisão vivem como em uma pequena comunidade, todos se respeitam como seres humanos sob a hierarquia do lugar. O maniqueísmo, que já nos parece tão normal por causa dos filmes norte-americanos não existe lá, e isso fica muito natural, é fácil de se identificar com os personagens. Ninguém é bom ou mau, só tenta viver da melhor forma possível conforme suas condições.

A resistência à situação acontece de formas diversas, entre tentativas de fuga, espetáculos teatrais e esperança por boas notícias. "É tudo uma grande ilusão... esperar que a guerra cesse", esbraveja o tenente Maréchal (Jean Gabin, 1904-1976). Além dele, o Capitão Boieldieu (Pierre Fresnay, 1897-1975) e o tenente Rosenthal (Marcel Dalio, 1900-1973) sonham, cada um a seu modo, com a liberdade. Depois de alguns meses, os três são tranferidos para a fortaleza comandada pelo Capitão Von Rauffenstein (Erich von Stroheim, 1885-1957).


Até aqui, Renoir trata de mesclar momentos de humor e abordagens conscientes com tomadas aéreas e fundos de cena bem ousados. A partir da estadia no castelo alemão, começa a fulgurar um aspecto novo, humanista em sua essência, mas que não dispensa a reflexão social, o miolo da obra. Apesar de unidos, os franceses guardam entre si diferenças indeléveis. Maréchal, um civil camponês, entrara em combate por amor à pátria. O banqueiro Rosenthal, descendente de judeus, faz a alegria dos prisioneiros com o estoque de comida que recebe por correspondência. Boiedieu, enfim, se apresenta como um aristocrata, um legítimo homem de guerra, fiel aos seus ideais.


E exatamente o status de Boiedieu o aproxima do comandante alemão Von Rauffenstein, um anfitrião dedicado, apesar da situação. Entre eles existe um certo sentimento de cumplicidade. Ambos prevêem o futuro desastroso do conflito. Enquanto isso, as comodidades da fortaleza não acalmam Maréchal - que planeja a sua fuga. Assim, coloca-se um dilema: a passividade versus a revolta, a sensação de comodidade contra a amizade. Tido por muitos como um dos melhores filmes da história, foi indicado ao Oscar principal (na época, não havia a categoria Filme Estrangeiro) e ganhou o prêmio do Júri em Veneza. Mas que o tom humanista ou os prêmios internacionais não escondam o desejo de Renoir. Ao fim de tudo, divulgar a máxima: "Da guerra, sobram apenas os derrotados".