09 fevereiro 2005

Fanny & Alexander - Bergman (1982)



Nota: 8,5

Nenhum diretor explorou a linguagem cinematográfica com tanta excelência quanto o sueco Ingmar Bergman. E, em Fanny e Alexander, sua anunciada última obra para o cinema, o mestre se superou, ao narrar, com um encanto quase nunca visto em seu trabalho, a história de duas crianças — e, através de seus olhos, suas impressões do mundo em que vivem. Fanny e Alexander é especial por vários motivos. Nele o espectador mais atento vai encontrar todos os traços que caracterizaram a obra de Bergman, como as reflexões sobre a condição da existência humana e de Deus, além do humanismo que marcou seus primeiros filmes. Trata-se, portanto, de um reflexo de toda a sua carreira. Mas encontra também uma obra com traços autobiográficos. De fato, como o garoto Alexander, seu alter ego, Bergman também é filho de um pastor e foi criado sob forte autoritarismo. Mas o próprio diretor diria, logo após a produção, que há um pouco da personalidade dele em cada personagem masculino do filme.

Tudo se passa em Upsala, uma cidade do interior da Suécia, no início do século passado. Fanny e Alexander são irmãos que crescem no seio da aristocrática família Eckdahl. Oscar, o pai, é diretor de um teatro local. Emilie, a mãe, é a atriz principal das montagens dirigidas pelo marido. Tios e primos também são atores. Levam uma vida feliz, cujo ápice é a festa de Natal que abre o filme, até que Oscar morre e Emilie resolve se casar novamente. A partir daí, a vida de todos transforma-se profundamente. Emilie se casa com o bispo Eduard Vergerus, que é extremamente autoritário, individualista e absolutamente incapaz de entender os sentimentos e desejos alheios. Faz exigências absurdas, como tentar obrigar Emilie e os garotos a se despojar de todos os bens materiais para começar vida nova ao lado dele, e castiga seus novos enteados com freqüência – principalmente Alexander. Assim, através dos olhos de Alexander, Bergman confronta dois mundos completamente antagônicos: o mundo dos Eckdahl, colorido, feliz, com o mundo dos Vergerus, frio, dolorido, como se contrapõem o mundo real ao mundo imaginário, ou o mundo dos vivos ao mundo dos mortos. Alexander permeia suas ações entre o mundo real e o mundo dos sonhos. e é justamente aí que vai buscar reverter sua infelicidade.

A carreira de Ingmar Bergman no cinema é impecável, e repleta de grandes filmes. Tanto que o diretor sueco foi considerado o maior diretor de cinema vivo atualmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA pelo conjunto de seu trabalho, composto de obras-primas como Gritos e Sussurros e Morangos Silvestres, entre muitos outros filmes. Mas foi justamente em Fanny e Alexander que o mestre se superou. Na concepção original, o filme foi produzido para a televisão sueca, em forma de minissérie exibida em capítulos. E, quando Bergman editou o material para produzir a versão para o cinema, acabou compondo uma de suas maiores obras. Por isso mesmo, Bergman deu tudo de si, e também colocou muito de si no filme. Tudo é impecável, do roteiro consistente, bem amarrado e inteligente, à competente direção, que lhe valeu a indicação para o Oscar nessas duas categorias. E seu filme venceu em outras quatro: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia (Sven Nykvist), Melhor Direção de Arte/Decoração de Set (Anna Asp) e Melhor Figurino (Marik Vos). Foi o filme estrangeiro mais premiado da história da Academia.