04 janeiro 2005

Zatoichi



Nota: 7,5


Sempre se falou de como Takeshi Kitano era violento e sensível ao mesmo tempo, mas nunca se falou o quanto ele é engraçado. Pois "Zatoichi" é a perspectiva de Kitano sobre a fábula de um famoso personagem do folclore japonês, um filme tão sangrento quanto hilário e inusitado.

O personagem Zatoichi, um samurai/massagista cego que cruza o Japão Feudal numa série de aventuras, já rendeu "n" filmes, mas nenhum deles deu a sorte de ser feito numa época em que o cinema japonês estivesse em foco. Mais sorte do que isso, a história de "Zatoichi" encontra um abrigo perfeito sob os olhos e a imaginação de Kitano. Sem se prender a regras, sejam elas do folclore, sejam elas cinematográficas, "Zatoichi" é um filme híbrido, genial do início ao fim, mas que vai irritar aquele espectador mais xiita, que acredita que se um filme for drama, ele não pode se transformar em uma ficção-científica.

Antes que você quebre a cabeça, "Zatoichi" é uma mistura de filme de samurai/comédia rasgada/musical da Broadway. A mistura de gêneros é anunciada cedo no filme e trabalhada para que não seja causada tanta estranheza. O próprio Kitano interpreta Zatoichi, recém chegado numa cidadezinha controlada por um clã de mal-feitores. Ele encontra abrigo junto à uma gentil senhora, sofredora da extorsão dos bandidos. Zatoichi acaba criando amizade com o sobrinho azarado da mesma e um casal de irmãos viajantes, em busca de vingança pela morte dos pais. À medida em que os personagens acabam se transformando em uma estranha família, a fama do ceguinho bom de faca vai se espalhando. Meio sem querer, Zatoichi vai dando cabo na turma do mal e seu caminho fatalmente cursa um encontro com um habilidoso Ronin mercenário, contratado como guarda-costas do chefão salafrário.

"Zatoichi" é rico na delineação de seus personagens. Todos tem uma motivação em seus atos, suas decisões não são insensatas ou incompreensíveis. O protagonista é mantido um mistério - tanto para nós quanto para os outros personagens -, mas isso não nos impede de simpatizar com sua simpática figura, especialmente quando ele bota pra capar ao lutar com seus inimigos. Principalmente intrigante é o personagem do Ronin, que apenas decepa membros alheios para conseguir dinheiro a fim de pagar o tratamento de sua mulher, severamente doente.

A miscigenação é o que distingüe "Zatoichi" de outros filmes do gênero. O look remete a uma obra de época, com a belíssima reconstituição e direção de arte impecável, mas a trilha sonora é composta por sintetizadores e batidas eletrônicas. O avant-garde está presente também na opção de Kitano em fazer todo o sangue e tripas atravessadas em CGI. Há um método nessa loucura: propositalmente falso, o diretor quis reproduzir a sensação de mangá - os jatos de hemoglobina são praticamente desenhos animados. A coreografia das lutas são ágeis e o espectador não fica com a menor dúvida de que Kitano, um senhor, não seja capaz de botar para fuder como está na tela. A expectativa para as cenas de luta de espada são recompensadas através de incríveis - mesmo que rápidos - momentos onde tanto Zatoichi e o Ronin tornam-se exércitos de um homem só.

"Zatoichi" consegue ganhar o espectador por não deixar haver tempo morto em sua história (e Kitano não confunde isso com: "vamos colocar ação atrás de ação" como Jerry Bruckheimer). Se a história principal não está se desenvolvendo, ou há uma luta, ou há uma piada. O humor é até singelo, mas vem como uma brisa fresca no meio de tantas intrigas. A comédia está concentrada na segunda metade, quebrando o princípio que o começo deve ser leve e o resto deve ser carregado de tensão, que assolam a maioria dos filmes. O melhor: é realmente engraçado, humor bobo sem pedir desculpas.

O lado musical (!) do filme é indicado através da incorporação de sons ambientes á própria trilha sonora (imagine "Dançando no escuro"). "Zatoichi" guarda um grand-finale tipo "Stomp!", mesclado com batalha de samurais e deve ser um dos finais mais absurdos, inventivos e excitantes dos últimos tempos. O clímax de "Zatoichi" praticamente catapulta o espectador - de mente aberta - para fora do cinema, numa explosão de alegria. Ao que acaba, a platéia está refletindo, mas sorrindo por ter acabado de testemunhar o que acabou de ver.