06 janeiro 2005

Código 46



Nota: 6,5

A equipe do badalado A festa nunca termina (24 hour party people) surpreende com sua nova produção. Código 46 (Code 46) é um excelente filme de ficção científica como há muito não se via. Sem naves espaciais, raios laser ou heróis marombados para servir de decoração na tela, a produção vai direto na temática central do gênero: como as mudanças na tecnologia e na sociedade do futuro afetam os seres humanos que a habitam.

O roteiro do filme é complexo: em um futuro não muito distante a humanidade é governada por uma entidade Orwelliana (a Esfinge), a sociedade se divide entre os privilegiados habitantes das cidades e a ralé que mora nas regiões áridas fora dos perímetros urbanos. Para entrar em uma cidade ou viajar de uma para outra, as pessoas precisam de passes especiais, emitidos apenas pela Esfinge, que exerce um controle rigoroso sobre a emissão. Um vazamento de passes está acontecendo na cidade de Shangai e William (Tim Robbins), que possui poderes quase telepáticos, vai até lá para investigar o crime. Porém, ele se apaixona pela culpada, Maria (Samantha Morton), mulher de passado misterioso que tem estranhos sonhos que se repetem cada vez que ela faz aniversário.

A trama do filme é cativante, com protagonistas complexos e bem desenvolvidos interagindo em uma das ambientações mais interessantes e detalhadas da ficção científica moderna. Aliás, o roteiro é um exemplo textual de aproveitamento de tempo. O longa tem apenas uma hora e meia de duração, porém mais conteúdo do que qualquer FC recente de duas horas ou mais! Muito do mérito se deve aos atores, em especial os dois protagonistas. Eles são os únicos personagens de destaque e conseguem segurar a trama sozinhos - tarefa nada fácil e que ainda é agravada pelas ocasionais mudanças de personalidade que o roteiro lhes impõe.

Visualmente, o filme também é impecável. Não tem o esplendor visual de um Matrix ou Senhor dos Anéis, mas consegue mostrar com perfeição o futuro imaginado pelo diretor. Mesmo sendo uma produção britânica (da BBC) de orçamento relativamente baixo, não fica devendo nada em termos de fotografia ou efeitos visuais.

Mas o grande mérito de Código 46 é o cuidade com as pequenas coisas. A sociedade do futuro foi pensada e desenvolvida pelo escritor nos mínimos detalhes. Por exemplo, embora a história se passe, em sua maior parte, em uma cidade chinesa, ela é incrivelmente cosmopolita, com personagens chineses, árabes, negros e europeus por todos os lados, como se espera de um futuro em que as barreiras culturais sejam derrubadas. Analogamente, os diálogos dos personagens (em inglês) são repletos de expressões francesas, árabes, espanholas e de várias outras línguas. Isso fortalece a sensação de se estar vendo uma real sociedade do futuro, e não uma civilização medieval com naves espaciais - vício comum na FC cinematográfica.

O que gera um certo incômodo é que, talvez na vontade de condensar o máximo possível, algumas coisas ficam sem explicação. Podemos ver que o planeta está mais árido e que os personagens evitam sair à luz do dia porque temem a luz do sol, mas por quê? Bem, não ficamos sabendo da resposta, mas, por outro lado, isso não é algo essencial para a trama. Então não chega a atrapalhar.

Código 46 é, no final das contas, um belíssimo filme e uma demonstração do potencial da ficção científica. É de lamentar que, por sua origem e falta de estrelas de primeira grandeza, ele será assistido por muito menos espectadores do que merece. Faça um favor para si mesmo, quando o filme estiver em cartaz na sua cidade, vá vê-lo e deixe o pipocão hollywoodiano da vez outro dia. Você dificilmente se arrependerá.