04 dezembro 2006

O Crocodilo



Nota: 8,5

Há quem se arrepie ao ouvir o nome de Nanni Moretti, por conta das chorosas lembranças do dramático O Quarto do Filho (2001). Mas foi no gênero das comédias que o cineasta italiano consagrou-se e é para esse cenário conhecido que retorna em seu novo longa, O Crocodilo (Il Caimano). A caixa de lenços de papel pode ficar em casa, portanto.

O filme é uma inteligente sátira à era do bilionário midiático milanês Silvio Berlusconi, o "crocodilo" do título, à frente do ministério italiano. Dono de um império de mídia, ele foi primeiro-ministro por três mandatos, quando finalmente foi derrotado - por ínfima margem - pelo economista Romano Prodi, em 2006. Sua longa e polêmica passagem pelo governo foi pontuada por escândalos de corrupção e denúncias de ligações com a Máfia, chegando a virar piada na comunidade européia e no mundo. Uma espécie de Roberto Marinho italiano, midas da mídia, Berlusconi além de controlar o povo italiano pela televisão, com mil e uma emissoras e programas, era dono de empresas de comida e de times de futebol.

A solução encontrada por Moretti para tratar do tema é extremamente criativa. Na tradição dos filmes dentro de filmes, ele coloca Teresa (Jasmine Trinca), uma jovem diretora cansada do momento que vive seu país, em busca de um produtor para seu longa-metragem que denunciará o governo Berlusconi. Ela chega ao personagem principal da trama, o produtor fracassado de filmes B Bruno Bonomo (Silvio Orlando, histérico), que viveu uma era de prosperidade no passado, mas perdeu quase tudo com um filme de ação estrelado pela esposa Paola (Margherita Buy).

Bonomo está perdido. Seu casamento vai de mal a pior, sua empresa dedica-se a terríveis informerciais e as dívidas se acumulam. Num lance de desespero, sem ter lido o texto, ao conversar com um executivo da rede de TV RAI ele comenta sobre o roteiro da estreante. Inadvertidamente, então, começa a produção do filme de esquerda. O problema é que o produtor é eleitor de Berlusconi e um ferrenho detrator do consagrado cinema político italiano...

Dessa forma, Moretti arma o palco para que acompanhemos a vida de Bruno, as dificuldades da produção e, claro, as falcatruas do Primeiro-Ministro. O elenco está impecável, os personagens são muito bem desenvolvidos e as situações cômicas, engraçadíssimas. Além de fazer uma deliciosa comédia, com ótimas e engraçadas atuações, o diretor não deixou de lado sua veia crítica e toda a herança política do cinema italiano. Assim como fizeram os grandes diretores do passado, Moretti critica acidamente a sociedade e os políticos italianos. Fica evidente no filme o ódio que o diretor tem para com o Crocodilo.

Para nós brasileiros, que pouco conhecemos da história não-oficial italiana, esse filme é um grande alerta. Mostra que quem comanda a mídia, comanda a política. Temos que questionar o que nós enfiam goela abaixo pela televisão, o tempo todo.