C.R.A.Z.Y.
Nota: 6
Depois das enormes bilheterias no Canadá, C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor (C.R.A.Z.Y., 2005) continuou seu sucesso no mercado independente mundial. O filme ganhou vários prêmios em festivais e deu prestígio ao diretor Jean-Marc Vallée. Ele já está sendo visto como um possível candidato a fazer parte do seleto hall dos atuais cineastas canadenses mais relevantes, como David Cronenberg, Denys Arcand e Guy Maddin.
C.R.A.Z.Y. segue uma estrutura que todo mundo conhece. A diferença é que não só a vida que conta é muitíssimo interessante, como o modo de apresentá-la torna o filme no mínimo muito prazeroso de assistir. Um fator essencial para obter esse efeito é a eficácia diabólica do roteiro, assinado também pelo próprio diretor, o canadense Jean-Marc Vallée. Do nascimento, na noite de Natal de 1960, até chegar aos 21 anos, em 1981, a narrativa acompanha os passos habituais de um personagem igual a qualquer um de nós. Mas as descobertas da infância, os percalços da adolescência e as ambigüidades da entrada na vida adulta são também passos de uma reinterpretação endemoniada da Paixão de Cristo.
Em vez de desperdiçar sua melhor munição, o roteiro, tentando demonstrar com acrobacias que é capaz de fazer cinema "criativo", Vallée filma de maneira quase tradicional e usa o recurso de pontuar a história com canções de época (de alta voltagem pop) para aumentar a potência de sua obra. Sem as canções para sinalizar as épocas, C.R.A.Z.Y. perderia muito de sua ênfase, pois se trata mais que um filme centrado num personagem, mas de uma narrativa geracional. A adoção da linearidade é um recurso que não implica, neste caso, limitações de significados, pois é com ela que o roteiro consegue transmitir a dinâmica de vai-e-vem entre o personagem e os valores de sua época. Tempos de rápidas mutações sociais e morais e, sobretudo, de modificações ao avesso de muitas certezas.
O filme se inicia em 25 de dezembro de 1960, quando Zachary Beaulieu (atores Emile Vallée como criança e Marc-André Grondin como o adolescente) vem ao mundo. É o quarto entre cinco irmãos, todos meninos, cujas iniciais formam a palavra "crazy" (louco). O filme acompanha os 20 primeiros anos da vida de Zachary. A infância é marcada pelos aniversários natalinos em que seu pai (Michel Côté), invariavelmente, encerra a festa imitando Charles Aznavour. Sua a adolescência traz descoberta de uma sexualidade diferente e sua negação profunda para não decepcionar a família. E a maturidade, enfim, chega com uma libertadora viagem mística por Jerusalém, a cidade que sua mãe (Danielle Proulx) sempre sonhou conhecer.
O projeto levou dez anos para ficar pronto. O roteiro foi escrito por Vallée e François Boulay, baseado nos diários de Boulay. O argumento também conta com passagens da vida pessoal do diretor. Especialmente as cenas da mãe devota e do pai apaixonado por música. Mesmo tendo sido escrito das experiências da dupla, o contexto será reconhecido por qualquer pessoa pertencente a uma família numerosa. E mesmo com essa premissa o filme não cai no melodrama. A história mistura de forma inteligente o sagrado e o profano, o pessoal e o universal. Interessante que o tema não se concentra na descoberta sexual, mas sim sobre o amor.
Vallée negligencia dois dos irmãos, que nem parecem estar no filme, já que surgem e somem na mesma rapidez. Mas isso não impediu de Vallée destilar toda a sua habilidade técnica para contar mais de 20 anos de história. Truques cinematográficos aumentam a carga dramática das cenas. Ele utiliza close-ups, ângulos diferenciados, slow-motion e charme nas imagens de pessoas fumando. A cenografia de Patrice Bricault-Vermette se encaixa perfeitamente à proposta visual. Tudo isso embalado por uma trilha sonora apaixonante com as músicas de Patsy Cline, David Bowie, Pink Floyd, Rolling Stones, Charles Aznavour e The Cure, entre outras feras.
Um filme interessante, bem filmado, que mostra a história de uma geração embalada por sexo, drogas e rock and roll.
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