Sin City
Nota: 8
Colecionador da série policial em quadrinhos Sin City desde 1992, quando o primeiro volume da série policial chegou às lojas, o prolífico Robert Rodriguez empolgou-se em realizar um longa-metragem baseado na obra. Doze anos se passaram até que ele finalmente encontrasse o tempo e os recursos necessário para fazê-lo. No entanto, havia uma problema... Frank Miller, o consagrado quadrinhista criador desta e de tantas outras HQs que mudaram a cara da nona arte nas décadas de 1980 e 90, não tinha intenção de vender os direitos para transformar sua obra autoral em filme.
Rodriguez, felizmente, não se deu por vencido. Preparou por conta própria um curta-metragem com Josh Hartnett no papel principal e apresentou-o a Miller. As opções apresentadas ao quadrinhista pelo cinesta foram bastante simples: se ele gostasse do que viu, os dois fariam o filme juntos. Do contrário, o criador teria um curta bacana pra mostrar para os amigos. "O vídeo tinha três minutos de duração. Quando cheguei ao final do primeiro minuto, parei e disse 'o que quer que venha depois disso, pode contar comigo'", comentou empolgado Miller em entrevista à revista Empire.
E o roteirista e ilustrador de Batman: O Cavaleiro das Trevas tinha razão para lançar-se no projeto tão apaixonadamente. O que ele viu era prova suficiente de que Sin City, HQ noir ilustrada em alto contraste, sem tons de cinza, podia sim ser adaptada para o cinema.
Com o aval do mestre, Rodriguez deixou a Associação dos Diretores da América (eles não permitem co-direções quando os cineastas já têm nomes estabelecidos) e além de co-dirigir, como já virou mania em seus filmes, ele também montou, produziu, compôs parte da trilha, editou sons, supervisionou efeitos especiais, dirigiu a fotografia e até operou câmeras da adaptação.
De fato, chamar o longa-metragem de adaptação é falar bobagem. Não houve concessão alguma ali. Cada plano do filme, cada diálogo é diretamente extraído da obra em quadrinhos. Os tons de cinza até aparecem (ficaria estranhíssimo se não existissem), mas o contraste é diferente de tudo o que já foi produzido na indústria do cinema até hoje. Para obter tal requinte estilístico, Rodriguez rodou toda a produção com fundos verdes - croma-keys - que mais tarde foram substituídos por pretos e brancos totais, tons há muito buscados e pouco obtidos por diretores de fotografia de todo o mundo. A cor, como no quadrinho, só é utilizada quando tem relevância total para a história. O sangue é vermelho quando o filme pede que soframos por um personagem, o vilão é amarelo quando o asco precisa ser evidenciado.
A história do filme combina três volumes da série - The Hard Goodbye, The Big Fat Kill e That Yellow Bastard - mais uma introdução. Cada uma traz em seu elenco nomes invejáveis de Hollywood.
A primeira, sem dúvida a melhor, coloca o desacreditado Mickey Rourke de volta ao mundo dos vivos na Meca do Cinema. Sua dramática e dinâmica interpretação do durão tanque de guerra Marv, um truculento ex-criminoso em busca de vingança pela morte de uma prostituta, é tão memorável quanto a noite de amor que ele piedosamente recebe da profissional.
The Big Fat Kill, a segunda, é a mais engraçada, mas também a menos empolgante. Ela trata de uma guerra entre policiais corruptos e as prostitutas da Cidade Velha de Sin City, donas de seu próprio pedaço e de um arsenal capaz de fazer cair o queixo de qualquer chefe de morro carioca. No centro desse confronto estão Jackie Boy (Benicio Del Toro, engraçadíssimo), Dwight (Clive Owen, com a competência habitual) e a chefe das amantes de aluguel, Gail (Rosario Dawson). Apesar dos diretores afirmarem que o tiroteio final foi propositalmente feito de forma cartunesca - com os personagens parecendo figuras recortadas diante do cenário 3-D -, a impressão é de que, nesta seqüência, eles erraram a mão. Mas eles têm crédito. Principalmente porque fica neste segmento a divertida cena filmada por Quentin Tarantino em que Dwight e o cadáver de Jackie Boy dirigem por uma rodovia enquanto travam um diálogo bizarro.
Dividida em duas partes, That Yellow Bastard é a mais violenta das três. A história traz Bruce Willis como Hartigan, um detetive durão (ok, vc já entendeu... TODOS os anti-heróis de Sin City são durões), que passa oito anos numa prisão infernal depois de impedir que o filho pedófilo de um influente político local faça mais uma vítima. Muito falou-se também sobre a participação da sexy (se existisse um superlativo para sexy essa palavra caberia perfeitamente aqui) Jessica Alba como a "pequena" Nancy Callahan. A falação é justificada. A linda atriz de traços latinos vive uma striper que só não mata ninguém do coração na platéia porque não tira a roupa (ela disse que ficaria "desconfortável" ficando nua no filme).
Sensual, cruel e engraçado, Sin City beira a perfeição. A atmosfera noir - o submundo de uma cidade corrupta, onde transitam vigaristas, assassinos, vigilantes e mulheres fatais - lembra grandes capitais como São Paulo. Trata-se aqui de um cinema maneirista, que busca o artifício acima das verdades. Tarantino sempre dominou essa linguagem e faz filmes de estética consistente. Mas para Robert Rodriguez - o diretor-titular do filme, autor de diversões como A Balada do Pistoleiro e Um Drink no Inferno - o salto de qualidade é inegável. Porque onde antes só havia cenas de efeito, em Sin City existem personagens bem desenhados e complexos e um sentimento de melancolia que permeia um universo negro e imoral.
Parece incrível, mas Sin City é a primeira vez que a HQ é reconhecida como arte por uma outra que até hoje só tinha se aproveitado dela na superfície.
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