30 maio 2005

A Vida Marinha com Steve Zissou



Nota: 8,5

Como cineasta, Steve Zissou (Bill Murray) é um ótimo oceanógrafo.

Os filmes que registram as suas expedições no mar, já não fazem o mesmo sucesso de antes. Pessoas o hostilizam na première no Festival de Locarno, riem na coletiva de imprensa. A segunda parte da série que mostra a caçada ao mítico tubarão-jaguar, peixe que ninguém conhece, mas ele diz ter comido o seu melhor amigo no episódio um, periga não sair por falta de dinheiro.

"Eu achei a primeira parte muito artificial", diz a repórter Jane Winslett-Richardson (Cate Blanchett), convidada ao navio Bellafonte para fazer a matéria de capa que pode atrair investidores e salvar a carreira do decadente protagonista de A vida marinha com Steve Zissou (2004). Ele não gosta, mas Jane tem razão. Tudo nos pretensos documentários do oceanógrafo é ensaiado. Não há naturalidade. Zissou se apóia no leme como se recitasse Shakespeare. Os enquadramentos ultra-formais parecem aquelas molduras de fotos de pescarias.

Cinema para falar de cinema, pelo que se vê. Seria só uma porção de metalinguagem se o diretor Wes Anderson não começasse a brincar, aí, com a sua própria carreira.

Pois é justamente como um esteticista que Anderson é julgado, principalmente por Três é Demais e Os Excêntricos Tenenbaums, respectivamente segundo e terceiro filme de sua carreira. Acusam-no, como a Zissou, de artificializar situações, de caricaturar personagens sem alma. Os enquadramentos simétricos de Tenenbaums são idênticos aos dos filmes do marinheiro.

O cineasta, portanto, tem nele o seu alter-ego. As ações do personagem de Murray - o primeiro protagonista do ator depois de coadjuvar para Anderson nos dois anteriores citados - devem ser interpretadas como uma declaração de princípios do diretor e, em última análise, como uma resposta aos seus críticos. A boa notícia é que Anderson pode até declarar seus princípios, mas não perde a piada.

A Vida Marinha potencializa, para o bem ou para o mal, todas as impurezas até hoje apontadas na antologia de Anderson. As situações forçadas são mais forçadas ainda, com direito a tiroteio tosco de festim com piratas filipinos. O esteticismo se desdobra em psicodelismo de cardumes multicoloridos criados em stop-motion. As caricaturas são muito mais caricatas, usam sunga Speedo listrada, tênis Adidas e gorro vermelho. A trilha sonora, que já se sobrepunha à trama, agora tem canto cativo com versões de David Bowie em português no violão de Seu Jorge.

Em resumo, é a caçada de Moby Dick a bordo do Yellow Submarine guiado por Afonso Brazza.

Onde quer que passe as pessoas dizem que A Vida Marinha é um filme difícil. Por quê? Não é nenhum iraniano com planos longos e tempos mortos. Não é um Godard de trás pra frente. É difícil, isso sim, na medida em que se tenta encontrar significados profundos nessa metalinguagem. O apego de Zissou por um memorialismo afetivo, a busca por um filho, sua carência de amor, seria reflexo do medo de Anderson de ser criticado.

Mas não é essa, aparentemente, a intenção do diretor. Ele gosta de fazer rir, não de ser analisado. Entende-se, portanto, que essa "overdose de Anderson" a cada segundo é seu pedido para que não seja levado muito a sério. Só alguém que goza de si mesmo colocaria uma orca fazendo piruetas no fundo de uma tensa cena dramática. Ele e Zissou desejam - como Fellini, que adorava uma cenografia megalomaníaca com pedestais, elefantes e multidões - dar vida às imagens oníricas de suas imaginações assim que alguém queira pagar por elas. Basicamente.

Por isso mesmo é que Zissou, em sua última fala, sentado no chão com o seu baseado, diz: "Isto é uma aventura". Os filmes de Anderson sempre tiveram problemas de catalogação, transitando entre o drama e a comédia sem estacionar em nenhum. "Não se preocupe com rótulos", diz ele nas entrelinhas. Aceitar A Vida Marinha - aliás, qualquer um dos seus filmes anteriores - apenas como um despretensioso mergulho nonsense pode melhorar a experiência do público.