09 fevereiro 2005

Tristana - Buñuel (1970)



Nota: 8

Um dos grandes filmes do famoso diretor espanhol, que adapta para o cinema o romance de Benito Pérez Galdós (como o fez em Nazarin). No papel título, Catherine Deneuve três anos depois de A Bela da Tarde, seu trabalho anterior com Buñuel. Tristana é uma jovem orfã, inocente, entregue a um homem maduro (Fernando Rey). O relacionamento pai e filha da jovem com tutor vai crescendo, até que os dois se tornam amantes, com Tristana acumulando amargura e crueldade. Ele mora com o homem, tem todas as benesses de seu dinheiro, tem um status na cidade, mas repuldia o velho. A chegada de um jovem (Franco Nero) vai abalar este relacionamento.

Aos poucos Tristana vai se envolvendo com o jovem e traindo o seu pai/marido (uma coisa meio incestuosa, para mexer com a moral do público). Nos sentimos extremamente mal ao nos deparar com a depravação humana e em ver o quanto Tristana humilha o velho sexualmente. Ele faz de tudo para ficar com ela, e a mesma só retorna a casa quando ocorre uma desgraça. Mesmo sofrendo toda sorte de abusos da mulher, o velho aceita-a de volta e cuida dela. Mas isso não é suficiente para abrandar seu ódio pelo velho.

E não é que a obra do pai do surrealismo nos faz sentir como se estivesse lendo um romance de Machado de Assis? A ironia com que Buñnuel retrata a sociedade em questão é incólume. Fernando Rey, impávido, está lá como um velho hipócrita, no melhor estilo Machadão. O bizarro se faz presente, sim, mas a minha leitura fica no plano da hipocrisia e das relações sociais mesmo. Afinal, Tristana também é tão hipócrita quanto Lope, e o pintor interpretado por Franco Nero também pode ser um baita de um hipócrita, diferente dos tipos irreais que costumam aparecer em fitas de Hoolywood (não pude deixar de pensar no medíocre Jack Dawson de Titanic como a epítome do clichê desses roteiristas vagabundos a povoar o mundo: o pintorzinho que é pobre, altruísta, humano, romântico, etc. enquanto que o capitalista interpretado por Billy Zane é um escroque, machista, ignorante, inescrupuloso e etc.). O homem não hesita em desferir um soco na cara do velho, por exemplo, e depois ir pedir desculpas, quando a sua mulher, que abandonara o ancião para ficar com ele, adoece e necessita de cuidados médicos que estão além de seus horizontes financeiros. Não que a moça estivesse agindo erroneamente nessa conduta, que o velho era um baita de um tirano travestido sob o verniz de liberal, e um grande libidinoso que queria ser ao mesmo tempo 'pai' e 'marido' de Tristana.

Voltando ao Bizarro: cabeça de Lope como badalo de sino; uma espécie de arauto do que Tristana também é, chamando pelo futuro que está reservado também a ela, a degeneração moral de ambos em criaturas sórdidas. Tristana acaba revelando que não era coitadinha. Não há mocinhos, fórmulas, vilões, roteiros engessados em fôrmas de videogame com chefão e tudo. Foda-se! O próprio Buñuel disse: "Nada me enojaria moralmente mais do que ganhar um Oscar".