A Bela da Tarde - Buñuel (1967)
Nota: 7,5
Em tempos de Os Sonhadores (de Bertolluci), e a relavante questão da necessidade da banal exposição do sexo no cinema, vamos ao mais erótico filme de uma época: A Bela da Tarde. Buñuel queria e conseguiu: chocar meio mundo. Mas chocar em 1967 é diferente do que chocar em 2004. Eram tempos conservadores, anteriores ao tal Maio de 68 dos Sonhadores.
Quando terminamos de assistir ao clássico europeu A Bela da Tarde, ficamos com uma dúvida ecoando na mente: como se chama a personagem principal do filme? Será que se chama Sevérine ou será que se chama Engraçadinha? Bem, a personagem da belíssima e angulosa Catherine Deneuve atende pelo nome de Sevérine, mas não nos espantaríamos se em algum momento ela fosse tratada como Engraçadinha. Isso porque Sevérine é uma típica personagem de Nelson Rodrigues. Aliás, o nome do filme bem que poderia ser Bonitinha mas Ordinária.
Certamente, se o grande Nelson tinha um filme preferido, o filme era A bela da Tarde. Pois todos os elementos que o consagraram estão presentes nesta obra de Luis Buñel: os maridos limpos e insossos, o amigo que deseja a mulher do próximo, as apáticas moças de sociedades, as traições e os finais trágicos.
Neste caso, a história gira em torno de uma deslumbrante e jovem dama da sociedade, recém casada com um médico conceituado e bonito e que a ama sobre todas as coisas. Ou seja, para qualquer moçoila da época, a vida de Sevérine é a concretização dos sonhos de feliz casamento. Não fosse um pequeno detalhe: a imaginação da linda esposa. Como as melhores personagens de Nelson Rodrigues, a beleza e frigidez de Sevérine, esconde uma mulher extremamente devassa, que sonha apanhar do marido, ser estuprada por desconhecidos e ser amarrada, chicoteada e suja de lama. É isso o que ela deseja. A lamentar apenas, que seu marido jamais aceitaria tal situação, ele é um homem exageradamente doce e nem um pouco violento.
Insatisfeita sexualmente, Sevérine decide prostituir-se em um bordel de luxo, onde poderá colocar em prática todos os devaneios eróticos que jamais pode executar com o marido. É violentada por um cliente agressivo, chicoteada por um outro e, chega até, a se fingir de morta para um velho necrófilo.
Belle de Jour é um filme simplíssimo, toda a trama gira em torno das fantasias sexuais de Sevérine, sonhadas ou realmente concretizadas. Mas o filme é tão elegante e sofisticado quanto à própria Deneuve, e o que em mãos impróprias viraria um pornô de sétima categoria, nas mãos de Luis Buñel virou um filme de arte impecável que já se tornou um clássico e é uma obra indispensável para qualquer um que goste de cinema.
Vale ressaltar que tudo no filme é frígido, as interpretações, os diálogos e as belezas. Mesmo em suas fantasias sexuais mais tórridas, Deneuve se mostra tão apática e submissa que os ângulos de seu rosto escultural e toda a sua sofisticação transformam tudo em algo frio e distante. Mas o apatismo de Catherine Deneuve não pode ser encarado como um ponto negativo, muito pelo contrário, é nele que reside toda a magia do filme.
Deneuve teve em suas mãos a maior personagem de sua carreira, algo tão importante que até hoje não há como encarar Deneuve de outra forma que não como a prostituta que só pode ficar no bordel até as 17h00, daí o nome A Bela da Tarde. E ela fez por merecer e nos presenteou com a loura fria mais interessante do cinema, deixando a ver navios todas as louras gélidas que povoaram os filmes de Alfred Hitchcock.
E para manter as semelhanças "involuntárias" com as histórias de Nelson Rodrigues, não poderia faltar o final trágico... é põe trágico nisso. Um encerramento cruel e dúbio com direito as mais esdrúxulas interpretações do espectador. Um belo filme sobre a hipocrisia da sociedade que nos cerca, onde o rótulo é bem diferente do conteúdo. Quando o filme termina, se nos aproximarmos bastante do televisor, poderemos escutar a voz gutural de Nelson Rodrigues dizendo: "É... A vida é como ela é!".
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