Peões
Nota: 5
Em outubro de 2002, apesar de indefinidas, as eleições presidenciais já não tinham volta. Com o triunfo do PT, finalmente, fez-se o justo reconhecimento de um movimento nascido no sindicalismo em 1979/80. O povo, enfim, chegou ao poder. Hoje já sabemos no que deu o governo de Luís Inácio Lula da Silva. Mas aqueles dias embebidos em sonho ainda conservavam o orgulho e a esperança. São os dias retratados em dois documentários, Entreatos e Peões, ambos finalizados em 2004, que ganham estréia simultânea.
O primeiro, dirigido por João Moreira Salles, acompanha de perto a rotina do então candidato durante as vésperas da eleição. Já Peões busca, como explica o título de dúbias interpretações, os obreiros manejados em nome dessa causa.
O diretor Eduardo Coutinho vai ao ABC paulista para resgatar homens e mulheres que alicerçaram o embrião do Partido dos Trabalhadores - mas não passaram do anonimato. Evita personagens que ascenderam na burocracia ou na política. O seu interesse vai desde piqueteiros incorrigíveis e comunistas convictos até desempregados e aposentados por acidentes de trabalho. Documentarista adepto das entrevistas, hábil interlocutor, ele extrai intimidades dessas pessoas que viveram ou ainda vivem o engajamento sindical.
O diretor tem escrúpulos de excluir, na montagem, o trecho que cita o apego de Lula pela bebida, mas isso não significa que Peões seja chapa-branca. Pelo contrário, fica implícito na ordem de depoimentos o tom crítico: o último entrevistado deseja para o filho uma vida melhor do que ser meramente um peão.
Mais do que isso, toda a narrativa é construída com o intuito de humanizar o período, e não endeusá-lo. Coutinho filmou as fábricas, os locais que fizeram a história das greves, mas não utiliza essas imagens na edição final. Assim, Peões resultou - nas próprias palavras do diretor do palavroso Edifício Master (2002) - "no seu filme mais falado". Sai o tom épico que não lhe interessa, entra a melancolia dos desabafos.
Há algumas cenas históricas inseridas, pesquisadas em filmes da época, como ABC da Greve (de Leon Hirszman, filmado em 79, mas finalizado apenas em 90), mas que entram aqui somente para servir de contextualização. E não daria para suprimir, mesmo, a cena filmada por Hirszman em que Lula é chamado pelos grevistas, dias após a sua prisão pelo regime militar, para reocupar o lugar de comandante dos protestos. Por mais que Coutinho se despoje da eloquência, é impossível negar o tom messiânico da cena.
Nas lembranças dos ex-amigos, dentre os expoentes de 1980, Lula sempre foi maior que todos. Em 2002, a eleição mal se resolvia e os peões já imploravam para não serem esquecidos.
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